Se existe algo sério no mundo, algo grave, algo com que você deva se preocupar, esse algo é o Apple ID.
Por Deus.
A Marcinha perdeu o Apple ID dela outro dia. Foi horrível. Tem sido horrível, na verdade, porque ainda não acabou. É que o celular dela ficou congelado naquela maçãzinha mordida da Apple. Não saía dali, por mais que pressionássemos todos os botões.
Então, fui ao YouTube buscar um tutorial sobre como destravar o celular congelado na maçãzinha da Apple. Há tutoriais para todas as questões da existência humana, no YouTube, e havia um para isso também. Seguimos as instruções. Avançamos penosamente, obedecendo a tudo o que o jovem youtuber mandava fazer. A maçãzinha sumiu da tela, de fato, e aí o celular é que começou a dar ordens. Que cumprimos sem discutir. Até que chegou a hora de botar o Apple ID. Foi um momento dramático. Estávamos nervosos. Talvez devido à ansiedade, a Marcinha se atrapalhou com a senha, colocou errado três vezes e isso foi fatal. É provável que todos os alarmes de segurança da Apple lá em Cupertino, na Califórnia, tenham sido acionados nesse instante, porque eles avisaram que o celular ficaria sob custódia até que a Marcinha provasse sua idoneidade ou coisa que o valha.
In extremis, liguei para o suporte da Apple. São uns técnicos que trabalham em São Paulo. São muito pacientes, muito atenciosos e bem treinados. Lembro até do nome do cara que me atendeu: Japherson. Bom nome de técnico da Apple. Japherson foi bastante competente, conseguimos ir em frente em busca da senha perdida, até que a Apple, com alguma condescendência, concordou em liberar o celular.
Em três dias!
Eles vão passar três dias analisando os dados da Marcinha lá em Cupertino. Nesta hora, inclusive, podem estar decidindo se ela merece ou não ter de volta o seu Apple ID. Imagino as reuniões em que eles discutirão o caso, na Califórnia, os debates acirrados, os argumentos contra e a favor. Marcaram um horário para enviar a nova senha, com minutos e segundos exatos. Tanta precisão me deixa apreensivo. Espero que dê tudo certo, quando a hora chegar. Será que a Marcinha terá de volta o seu Apple ID? Que tensão! Rezo para que nunca mais ninguém da minha família perca a senha do Apple ID. E que Deus e Steve Jobs, que deve estar lá em cima, o protejam, leitor, se esse infortúnio acontecer com você algum dia.
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Aliás, a maçã mordida da Apple. Aquela dentada só pode ser de Eva, a nossa mãe primordial. O que significa? Tentação. Pecado. Prazeres proibidos. Sim, porque estava interditado aos nossos pais primeiros morder aquela maçã. Mas Eva sucumbiu, e o que aconteceu? Fomos atirados neste Vale de Lágrimas, cheios de IDs, senhas e duplas verificações.
Agora: o que realmente aconteceu com o homem, quando ele profanou aquela fruta? Repare, leitor: tratava-se da árvore do conhecimento. Até então, o homem era inocente como os bichos, ele apenas vivia cada dia com alegria, comendo, bebendo, se divertindo. Mas, ao mastigar a carne da maçã vedada, ele passou a saber de algo que não sabia: do futuro.
O homem é o único animal que tem a noção de futuro, e por isso se angustia. Esse é o grande drama humano, depois que fomos jogados para além das margens dos quatro rios do Jardim do Éden.
O futuro.
O futuro é a razão de nossos tormentos e da riqueza dos psicanalistas. Inclusive, vou pedir algum emprestado para o Mário Corso.
O futuro! É o que representa aquela maçã. É a sugestão que ela nos faz. O futuro inquietante, o futuro incerto, o conhecimento que titila o desejo, mas que traz aflição. Acho que esquecerei para sempre o meu Apple ID.