Tenho cá nas minhas estantes a coleção completa das edições da Revista Realidade. Foi uma das melhores publicações da imprensa brasileira de todos os tempos. Volta e meia dou uma folheada num dos volumes e desenterro tesouros. Um deles, uma reportagem de agosto de 1971 com Hugh Hefner, o editor da Revista Playboy.
Na época, Hefner tinha 44 anos de idade – ele viveria até os 91. A Playboy vendia 5,5 milhões de exemplares por mês, fazendo de Hefner um homem rico. Ele morava e trabalhava numa mansão de 48 quartos, servida por 12 cozinheiros e dois eletricistas. A casa tinha dois andares superiores e um inferior. Estava sempre fechada, não havia nenhuma janela que se abrisse para o exterior. Lá coabitavam dezenas de secretários, outros tantos criados e pelo menos 30 “coelhinhas”.
Como Hefner sempre foi um personagem inusual, fiquei interessado em ler aquela entrevista realizada no auge da sua trajetória, conduzida pelo escritor americano L. Rust Hills, que trabalhava para a revista Esquire. Avancei com fome nas páginas seguintes.
E me decepcionei.
Não foi uma entrevista, foi uma conversa pretensiosa, com fumos de investigação psicanalítica, em que o entrevistador parecia querer se sobressair mais do que o entrevistado. Pensei, ao terminar a leitura: “Por que não escalaram um repórter para fazer essa matéria?”
Porque é isso: só quem um dia trabalhou como repórter consegue compreender certas particularidades do jornalismo. E o que mais ensina, na função do repórter, é a tarefa do dia-a-dia, é a ronda de polícia, é o treino do clube de futebol, é ir à vila para escrever sobre a falta d’água, é a cobertura da procissão, é a entrevista com a Rainha da Chicória.
Eu já fui repórter de tudo, nessa longa vida de redações, e um dos trabalhos no qual mais aprendi foi como setorista da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Desde os primeiros dias. Assim que cheguei ao Centro de Imprensa, no subsolo do Palácio Farroupilha, o assessor de um deputado me chamou de canto e informou: “O deputado tem interesse em te dar alguns presentes”.
Estranhei: “Presentes? Como assim?”
Ele: “Presentes. Vinhos caros, bons ternos, relógios... Olha esse relógio que ele me deu”.
E me mostrou o pulso, onde reluzia um cebolão de aparência faustosa.
“E por que o deputado iria me dar presentes?”, perguntei.
“Por nada. Ele só quer ser teu amigo. E, claro, de vez em quando, se puder, que tu publiques uma notinha sobre algum projeto dele”.
Recusei a oferta, é evidente. Não me senti ofendido, porque, afinal, o assessor nem me conhecia – mal fazia uma semana que eu andava por lá. Só tomei o cuidado de ser taxativo na recusa e, depois, por garantia, contei a respeito da conversa para o meu editor, o Emanuel Mattos. Que esbravejou: “Vamos ficar de olho nesse cara. É um tosco. Alguma ele vai aprontar”.
O Emanuel estava certo. Não muito depois, o deputado aprontou. E, confesso, senti certo prazer em dar a notícia. Mas essa é outra história. O que quero contar é que a Assembleia Legislativa foi uma escola única. Lá alcancei boa compreensão acerca do funcionamento das engrenagens da sociedade. Entendi algumas lógicas que comandam a política. Por isso sabia de antemão o que aconteceria com um importante personagem da política brasileira da atualidade. Mas preciso de mais espaço para falar sobre. Vamos deixar para a próxima crônica.