“E daí?”, perguntou Jair Bolsonaro, ao ser questionado por uma internauta sobre a possível escolha de um amigo dos seus filhos, o delegado Alexandre Ramagem, para chefiar a Polícia Federal (PF). E daí que a PF não é lugar de amigos, é uma polícia feita para servir ao Estado, não ao governo, salientam entidades da categoria, como a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
Foi a segunda vez em três dias que o presidente defendeu uso da PF como se ela fosse a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Sergio Moro alegou, entre os motivos para sair do Ministério da Justiça, o desejo de Jair Bolsonaro de receber "relatórios de inteligência" da PF. Inclusive sobre investigações que atingem os seus filhos.
Amigos meus da área de segurança defendem que é direito do governante receber relatórios diários de inteligência. É fato, ele precisa saber o que rola de importante na área de segurança pública. Mas existe, para isso, a Abin. É um serviço de contraespionagem, que não produz inquéritos com valor judicial. A sua maior missão é informar aos governantes sobre candidatos a cargos governamentais, bastidores de possíveis crimes cometidos dentro do governo ou por entes privados candidatos a parcerias com o governo.
Já a PF é feita para investigar todos, inclusive os eleitos, como Bolsonaro, e seus familiares. Existem até delegacias especializadas em investigar políticos, entre outros assuntos, as Delegacias de Defesa Institucional.
— Não cabe à Polícia Federal informar ao presidente o andamento das investigações sobre seus filhos (Carlos e Eduardo Bolsonaro são suspeitos de produzir fake news que estimulam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, e Flávio é investigado por cobrar devolução de parte dos salários dos servidores do seu gabinete) — pontua um experiente delegado federal.
Moro foi explícito: Bolsonaro queria detalhes das investigações sobre seus filhos, entre outras. Coincidência ou não, o delegado que ele deseja emplacar na PF, Alexandre Ramagem, posou para foto em festa de Reveillón junto com Carlos Bolsonaro, um dos investigados pela PF. A fotografia é um dos motivos pelos quais Ramagem demora a ser sacramentado no cargo.
Não é o primeiro presidente a tentar saber detalhes de inquéritos que o interessam. Michel Temer escolheu Fernando Segóvia como diretor da PF em 2017 e, meses depois, o delegado disse que a tendência era de arquivamento no inquérito que investigava o presidente por favorecimento a empresas portuárias.
A gritaria dos colegas de Segóvia foi tamanha que ele caiu do cargo. O inquérito prosseguiu e Temer virou réu – um dos seis processos em que é acusado. O ex-presidente foi preso duas vezes pela PF desde então.