Mais do que a artilharia de Olavo de Carvalho (pensador e guru da família Bolsonaro), mais do que a má vontade dos evangélicos como o deputado federal Marco Feliciano, o que derrubou o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz do cargo de ministro da Secretaria de Governo foi a contrariedade e o desconforto em relação ao poder que ele concentrava. E que ficaria muito maior por meio de um decreto que entraria em vigor em 25 de junho, conforme me alerta um atento colega de GaúchaZH.
O decreto cria o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc), que passa pela Casa Civil, mas determina que todas as avaliações de nomes competem à Secretaria de Governo da Presidência da República (ocupada até esta semana pelo general gaúcho). No artigo 22 são listados os novos poderes que iriam para Santos Cruz (e não irão mais):
I - avaliar as indicações...de dirigente máximo de instituição federal de ensino superior e para nomeação ou designação para desempenho ou exercício de cargo, função ou atividade no exterior;
II - decidir pela conveniência e oportunidade administrativa quanto à liberação ou não das indicações submetidas à sua avaliação; e cargos e funções de confiança de nível equivalente a 5 e 6 do Grupo-DAS;
IV - cargos e funções de chefe de assessoria parlamentar, de titular de órgão jurídico da Procuradoria-Geral Federal instalado junto às autarquias e às fundações públicas federais, de chefe de assessoria jurídica e de consultor jurídico;
V - cargos e funções de confiança de chefia ou direção de nível equivalente a 3 e 4 do Grupo-DAS.
Parágrafo único. O Sinc também poderá ser utilizado para o provimento de cargos em comissão e de funções de confiança ou para definição de exercício de servidores públicos, empregados públicos ou militares nos órgãos da Presidência da República.
Não é pouca coisa. Excetuados ministros, quase todos os cargos importantes no Executivo federal passariam pelo crivo de Santos Cruz. Poder demais para um ministro que não gozava mais de confiança total do presidente da República desde maio, quando, num suposto diálogo por WhatsApp, o general chamou Carlos Bolsonaro (filho do presidente) de "desequilibrado" e o secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, de "frouxo".
O general me repassou os diálogos e negou autoria, os chamando de "fake". Disse o mesmo a Bolsonaro, mas não convenceu. Os outros ministros militares entraram em campo e deixaram no ar a possibilidade de abandonar o governo à própria sorte caso Santos Cruz fosse demitido. Ele ficou no cargo.
Passou-se um mês e Bolsonaro voltou à carga, já que Santos Cruz continuava discordando dos rumos da propaganda governamental e, por isso, era criticado por Wajngarten e pelo seu padrinho político, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Deu no que deu. O presidente pediu ao decano dos generais-ministros, Augusto Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional), que intermediasse uma saída amigável para Santos Cruz. Ofereceu a chefia dos Correios e outros cargos, não aceitos pelo militar gaúcho.
Para driblar reações corporativas dos militares, o presidente nomeou para a pasta antes ocupada por Santos Cruz outro general, Luiz Eduardo Ramos Pereira, bem mais próximo das posições ideológicas de Bolsonaro. Ao contrário de Santos Cruz, ele defende, por exemplo, a transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. Ele é evangélico fervoroso e foi adido em Israel. Mais uma vitória dos evangélicos.
Os poderes do decreto que cria o Sistema de Nomeações e Consultas (Sinc) estão agora com um general mais dócil às pretensões da família Bolsonaro. Foi dado também pelo presidente um recado claro aos outros militares do governo - tanto que o mais importante deles, o vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão, disse ter tomado conhecimento da demissão do colega Santos Cruz apenas pela mídia.