Principal produto cultivado pelo agronegócio brasileiro, a soja completa 100 anos de história no país em 2024. Em 1924, o grão desembarcou, pela primeira vez, ao território nacional. O tema foi assunto do 2º Congresso Cerealista Brasileiro, que encerrou no sábado (23), em Garibaldi, na Serra. Mais do que o passado, a coluna foi atrás do futuro dessa commodity. Sobre ele, falou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar.
Confira trechos da entrevista abaixo.
Qual é a perspectiva dessa safra que está por ser colhida, a 2024/2025?
A gente está enxergando uma safra grande, uma recuperação de safra. Para nós, para a indústria, isso é um alívio muito grande, porque esse ano houve quebra no Centro-Oeste, e, geralmente, no segundo semestre, quando você tem uma safra menor de soja, fica mais desafiante para a indústria. Porque a exportação demanda muita soja no primeiro semestre. No segundo, nós temos que comprar e carregar essa soja.
Muitas pessoas levantam que a produção de biodiesel é um concorrente da alimentação. Afinal, é um concorrente?
Não é, a gente não considera um concorrente. A soja é uma oleaginosa que tem 20% de óleo e 80% de farelo de soja. Esse farelo de soja tem um teor de proteína alto. Então, quando eu processo a soja, eu produzi o farelo e produzi o óleo. O farelo é destinado para a alimentação animal, que vira proteína animal. Se eu não tivesse o biocombustível, o que o óleo seria subproduto? Se a gente voltar lá, por exemplo, quando a China começou a comprar soja do Brasil, em 2003, não tinha ainda mistura. O óleo era subproduto, basicamente. O óleo era barato e o que dava margem no processamento da soja era o farelo. Hoje mudou completamente. O óleo passou a ter um valor enorme, tanto é que quase 60% do óleo que a gente produz vai para biodiesel. No passado, 100% era para a alimentação humana na garrafa PET. Então qual que é a grande virtude do biodiesel e dos novos que virão com a lei nova? É que ele pede mais processamento de soja.
Considerando a conjuntura atual e o fato de a China ser o principal comprador do complexo soja do Brasil, o que dá para projetar em relação à demanda chinesa?
É evidente, o mercado chinês continua crescendo, apesar de todas as dificuldades econômicas que a China tem vivido. É aquela história da demanda por alimentos, ela continua crescendo e lá eles têm um déficit por proteína produzida com ração balanceada. Então, a demanda por soja para fazer farelo, para alimentação animal na China, vai continuar crescendo. Só que não vai ser naquele ritmo que a gente viu, de 2003, 2004, 2005, que crescia 20% ao ano.
Mas a gente tem a perspectiva agora, com um novo mandato de Donald Trump, de acirramento da guerra comercial entre os dois países. O que acabou fazendo a China demandar mais produto do Brasil. Existe essa possibilidade agora?
Sim, essa oportunidade, vamos falar assim. Eu acho que eles vão, sim, entrar em guerra comercial, porque foi promessa de campanha dele. Essa guerra comercial deve gerar problemas de comércio de alimentos dos Estados Unidos para a China, o que levaria a China a comprar mais dos países que não fazem parte daquele núcleo duro americano. Aí o Brasil, a Argentina e os países africanos seriam beneficiados. Então, nesse sentido, eu enxergo que deve aumentar a demanda chinesa. Mas, aumente a demanda, não deve aumentar com a mesma força que teve aqueles aumentos de prêmio. Agora, assim, é uma oportunidade para que Brasil e China estreitem os seus laços comerciais, porque a China está em busca de aliados confiáveis e que não querem gerar conflito. Então, nesse sentido, eu acho que o Brasil não pode jogar esse potencial de aprofundar as relações com a China em várias áreas, não só em alimentos.
O que você enxerga de futuro para os próximos 100 anos da soja?
100 anos é longo, né? Bom, nós temos uma curva de crescimento de soja que está garantida por uns 20 anos. De crescimento de demanda que está dada pelo próprio crescimento da população e pela mudança de hábitos. Por exemplo, a Índia praticamente não consome farelo, porque eles consomem pouca proteína. A Índia vai passar por um processo de mudança, vai consumir mais proteína e isso vai demandar mais soja e mais farelo. Também vai acontecer uma certa diferenciação da soja. Os países vão querer outros atributos da soja, não só a entrega, não só a confiabilidade. Eu quero soja sem desmatamento, verificada, eu quero conhecer de onde a soja veio. E eu espero que o Brasil entenda esse processo e se prepare, para a gente aproveitar esse mundo. E eu espero que a gente aumente bastante o grau de processamento de soja, porque me parece fazer muito mais sentido eu diferenciar um farelo e diferenciar um óleo do que eu diferenciar o grão.