A jornalista Carolina Pastl colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Fica às margens do Guaíba, em meio a árvores centenárias enraizadas na zona rural de Porto Alegre, uma das menores queijarias do Brasil. Criada por um jovem casal de advogados que decidiu largar o Direito para apostar na atividade, a Tempo Naturalmente Queijo nasceu com o intuito de produzir queijos autorais de forma artesanal. Ousadia que virou realidade e, a partir deste mês, poderá alcançar todo o país, graças à conquista do selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF).
— Já temos fila de espera — comemora a produtora Mariana Guarienti, à frente do negócio com Rodrigo Polidori, seu marido.
E foi na pandemia que tudo começou. Em 2021, Rodrigo foi demitido da empresa em que trabalhava. Mariana, então, resolveu pedir demissão da sua.
— Foi um baque – lembra.
Sem o que lhes prendesse na cidade, o casal olhou para o campo. E viu na propriedade rural de dois hectares que pertenceu ao avô de Rodrigo casa. E trabalho.
— Era para ser, sabe? — avalia o produtor.
Hoje, Mariana está dedicada à "alquimia" das leveduras e fermentações, enquanto Rodrigo cuida dos animais. A ordenha das três vacas da raça jersey tem até trilha sonora e um coçador (instrumento que faz massagem nos animais) na parede, tudo pelo bem-estar animal. É ao som de ícones musicais latino-americanos como Mercedes Sosa e Víctor Jara que o leite, matéria-prima do queijo, é ordenhado. E, pelo visto, não são só os produtores que gostam. Berenice, Capela e Vitória, como são chamadas as vacas, ficam tão relaxadas que o leite sai do úbere antes mesmo da ordenha começar.
— As pessoas acham que nós somos proprietários delas (das três vacas). Na verdade, elas são nossas sócias — brinca Rodrigo.
Ao todo, a queijaria está desenvolvendo cinco queijos diferentes — alguns em fases mais avançadas do que outros —, com nomes associados à flora e à cultura latino-americana — Temprano, Gravatá, Alfonsina, Tuna e Florêncio. Com o SIF — e mais duas vacas no "time" —, a expectativa é chegar a uma produção de 100 litros de leite e 10 quilos de queijo por dia. Hoje, a produção diária é de 30 litros de leite e três quilos de queijo.
Para Raquel Mesquita, médica veterinária e responsável técnica da queijaria, esse é o grande diferencial do selo SIF:
— É uma agroindústria com uma produção muito baixa, que produz de forma artesanal, controla todo o processo, e agora vai poder vender para todo o Brasil.
E sobre o nome da queijaria? Rodrigo tirou essa curiosidade:
— O tempo é uma coisa que influencia diretamente o nosso negócio. Tem o tempo de maturação do queijo, o de gestação da vaca, o que a gente esperou para ter isso aqui, o clima. E essa coisa da gente ficar preso ao tempo.
O estalo para o nome veio em uma viagem de carro, quando o produtor voltava para casa e ouviu a Canção Agalopada, de Zé Ramalho.
— Foi um tempo que o tempo não esquece, era o trecho. Aí corri para ligar para a Mari — ri.
Mariana e Rodrigo, claro, não são os únicos produtores rurais que moram em Porto Alegre. A Capital tem a segunda maior área rural do país entre as brasileiras.
Os queijos
- Temprano: queijo com dois meses de maturação, casca amarela, leve presença de mofo branco espontâneo. Fica pronto mais cedo ("temprano", em espanhol) dos demais
- Gravatá: com quatro e seis meses de maturação, massa semicozida, maleável, casca com azeite de oliva. O nome é pela planta nativa do banhado, que se assemelha à casca do queijo
- Alfonsina: dois meses de maturação, massa crua, macio, casca natural mofada. O nome é em homenagem à música de Mercedes Sosa, Alfonsina y el mar
- Tuna: dois meses de maturação, massa crua, casca lavada com cerveja Saison autoral da Cervejaria Capororoca, vizinha à propriedade. A casca tem a cor alaranjada da flor tuna, por isso o nome
- Florêncio: queijo de mofo azul (em desenvolvimento)