A novidade estampada em uma latinha de refrigerante atiçou a curiosidade do engenheiro mecânico Christos Stamatis. E se transformou no ponto de partida para uma mudança não só da vida dele, mas também de produtores rurais da Grécia. Nascido na cidade de Lâmia, a cerca de 200 quilômetros da capital do país, Atenas, o também empresário encontrou naquele sinal uma porta para o agronegócio. Hoje é o presidente da Stevia Hellas, cooperativa que produz estévia, insumo para o adoçante natural.
Em entrevista à coluna, Stamatis contou como foi esse processo e onde vê a iniciativa chegar nos próximos anos. A história abre a série de conversas com gente de todo o mundo que encontrou no setor uma oportunidade de crescimento. Leia trechos abaixo:
Você estudou e fez carreira em outra área que não a do agronegócio. O que o levou à mudança?
Me formei em engenharia mecânica e fiz mestrado em energias renováveis. Trabalhei na área até 2011, primeiro em empresas e depois na minha própria companhia, de energia produzida a partir de placas fotovoltaicas. Foi quando fiz a mudança e comecei a trabalhar com o agronegócio. Eu estava em uma viagem e vi uma Coca-Cola diferente, com estévia. Dias depois, li uma reportagem sobre produtores de tabaco da Califórnia que passaram a cultivar estévia. Aquilo me deu um estalo, porque na minha área tínhamos muitos produtores de tabaco que, naquele momento, estavam com dificuldades. O mercado estava em declínio, tinha uma questão de legislação, e eles estavm perdendo muita renda. Então, decidi ajudar essa comunidade, começar algo novo. As técnicas de cultivo e as máquinas são muito parecidas, então, os produtores não tiveram de investir muito dinheiro.
Como se deu a opção pelo modelo de cooperativa?
Decidimos fazer de forma cooperativa porque é baseada na comunidade, interage com a comunidade.
Qual foi a primeira reação quando você apresentou a ideia para esses produtores?
Falamos com muitos agricultores, lojas e cafeterias para discutir, ver como poderíamos cooperar, como produzir, onde poderíamos achar um mercado para esse produto, porque era algo complemente novo para Europa. Não só em plantio, mas também em mercado. Começamos a nossa cooperativa com 80 produtores e fizemos um auto-financiamento, em que cada um colocou uma quantia de dinheiro — € 1,5 mil no total — para financiar os primeiros passos.
E do ponto de vista técnico, como foi a preparação, já que a sua formação era em outra área?
Busquei a colaboração de um engenheiro agrônomo e também participei de muitos seminários, conferências sobre agronegócio. Busquei aprender o máximo que podia para entrar nesse mercado. Claro, no começo foi muito difícil, porque ninguém conhecia sobre estévia. É uma planta que vem do Paraguai. Tivemos vários obstáculos. Por exemplo: importamos sementes da América Latina e ficaram na aduana por quatro meses. Perdemos a janela de germinação por conta dessa espera. Outro ponto é que, apesar ter muitas semelhanças com a cultura do tabaco, tem coisas diferentes.
Como é o ciclo produtivo da estévia na cooperativa?
Temos um típico clima mediterrâneo, com invernos e verões não tão rigorosos. Das sementes, produzidas em estufas, produzimos as mudas. Começamos a preparação da metade de fevereiro até março. E reinstalamos no campo em maio. No primeiro ano, colhemos no final de agosto. A partir do segundo ciclo, você pode ter duas colheitas por ano. O período de produção da planta é de cinco anos. Depois, começa a ter redução. Por isso, reinstalamos novas plantas. Podemos mudar também a área, para fazer rotação, com plantas de cobertura. Usamos basicamente fertilizantes orgânicos e nenhum pesticida. E também estamos focando em práticas de agricultura regenerativa.
Como foi a etapa de busca por mercado?
O maior desafio depois de adquirir conhecimento sobre o cultivo foi encontrar um mercado. Comecei a visitar diferentes feiras, conferências, reuniões, mas também conhecer e falar com pessoas que estavam no mercado. Não foi fácil. Levou de três a quatro anos, mas acho que tivemos sucesso. Porque em nossa cooperativa temos duas frentes. De um lado, os produtores no campo. Do outro, o time de negócios. A colaboração de dois mundos completamente diferentes. Nosso produto são folhas secas de estévia. Um dos destinos são empresas de chá. Também para companhias que fazem a extração.
Onde você enxerga a cooperativa em cinco anos?
Agora estamos investindo bastante no aumento da área de cultivo. Hoje, são 70 hectares. Não é muito, mas quando falamos de estévia, um quilograma de folha seca é igual, em capacidade de adoçar, a 300 quilos de açúcar. Esses hectares devem ser multiplicados por 300. Agora, temos um grande projeto, com a Philipp Morris Internacional, que dá apoio financeiro para famílias de produtores fazerem a conversão de tabaco para estévia. Conseguimos suprir apenas 30% da necessidade do mercado (por estévia) e temos espaço para crescer. E 70% da nossa produção é vendida na Europa, especialmente para Alemanha, França e Holanda. Depois de três anos, este foi o primeiro em que começamos a plantar outras ervas: menta, manjericão, etc.
O que diria para alguém que pensa em atuar no setor?
O agronegócio é algo completamente diferente. Não é como sair de um banco e entrar em uma companhia de seguros. Quando você decide ser um produtor, precisa mudar sua forma de pensar em relação a tudo. Não é fácil, você precisa trabalhar muito. Acredito que o produtor tem um papel fundamental em relação às mudanças climáticas. Ele lida com o ambiente, faz uso de recursos naturais.
Retrospectiva do Profissão Agro
O Profissão Agro mostrou que há uma infinidade de trabalhos possíveis. O agronegócio é um setor econômico e o seu papel não está limitado às linhas de uma lavoura.
BRUNA OLIVEIRA
Repórter de ZH também colaboradora da seção
O universo profissional do agronegócio vai muito além das funções diretamente relacionadas ao setor. E foi com a proposta de mostrar as oportunidades existentes nos mais diversos ramos desse mundo que a coluna criou a seção Profissão Agro. Foram 17 meses de entrevistas com profissionais diversos, muitos deles nada óbvios, como azeitóloga, publicitário, intérprete, enólogo, sommelier, domador de cavalos e motorista de caminhões. Agora, o espaço entra em um novo momento: continua com a série de profissionais do agro, mas de diferentes partes do mundo.
- O primeiro Profissão Agro foi publicado no dia 20 de junho de 2021
- E o último, no dia 27 de novembro deste ano
- Ao longo de um pouco mais de um ano e cinco meses, coluna publicou 68 matérias sobre o tema
- E as profissões apresentadas, muitas vezes, eram nada óbvias. Por exemplo a atuação de uma azeitóloga no setor, de um publicitário, de um sommelier, de um domador de cavalos, de um intérprete, de uma motorista de caminhões, de um instrutor de drones e de um classificador de grãos, entre outros