A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Uma das profissões fundamentais para o desenvolvimento da agricultura, a Agronomia evolui junto com a ciência para garantir qualidade e rendimento ao produtor. Nesse embalo, a engenheira agrônoma Alice Agostinetto, supervisora de pesquisa da Biotrigo, faz da ciência uma aliada para exercer uma profissão pensando no futuro. O foco no melhoramento genético faz o cereal expandir fronteiras, levando o cultivo para áreas antes improváveis e com potencial de crescimento. Dos olhos brilhando quando o pai semeava o trigo no interior de Sananduva ao cerrado brasileiro, onde atua agora, ela conta que o caminho a desbravar ainda vai longe:
– Quando estamos fazendo o cruzamento no laboratório, estamos pensando daqui cinco ou seis anos na frente o que vai ter no mercado. O melhoramento é uma coisa do futuro – diz.
Conheça mais sobre o seu trabalho na entrevista abaixo:
Como foi a escolha pela profissão?
Meus pais e avós são agricultores, então eu já cresci no meio rural. Sempre quis alguma coisa voltada ao meio ambiente ou cursos do agro, então escolhi Agronomia e cursei na Universidade de Passo Fundo (UPF). Fui trabalhando com trigo desde o início da graduação. Fiz estágio na Embrapa Trigo por três anos e depois o estágio final fiz na Biotrigo, onde estou desde 2016. Fui contratada como analista de pesquisa, já no setor de melhoramento. Fiz especialização na Universidade Federal de Viçosa sobre proteção de plantas e faz um ano que entrei no mestrado profissional em melhoramento de plantas.
Hoje, tu és supervisora de Pesquisa. Como chegou à função?
Analista de pesquisa já é um pouco do que eu fazia, que é trabalhar no campo. Trabalho praticamente 90% do tempo no campo junto com os melhoristas da empresa. Hoje, como supervisora de pesquisa, sou responsável pelos programas do Paraná e do cerrado, então fico pouco em Passo Fundo, onde é a sede da empresa. O cerrado engloba Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Bahia e Tocantins, que estão crescendo, e focamos totalmente no trigo. No campo, nós selecionamos os melhores materiais. Temos o programa de melhoramento que fica em Arapongas, no Paraná, e em Jataí, em Goiás, que é onde fazemos a maior parte dos nossos trabalhos de avaliação de doenças, de selecionar o tipo agronômico de planta e também a colheita, que é toda manual. É como antigamente: selecionamos as espigas e vamos avançando gerações. E viajamos bastante para acompanhar os ensaios de rendimento. São mais de 60 cidades do cerrado que acompanhamos.
Depois de colhidas as amostras, qual o passo seguinte?
Para fazer semente de trigo, são no mínimo dez anos. Desde o cruzamento artificial, que é o que acontece no laboratório, que chamamos de geração F1. A partir daí, tem todo um passo, do F2 até o F9, isso é avançado no campo. Os passos são: levar para o campo a melhora, selecionar e colher. No outro ano, a mesma coisa. Até o material estar fixo para determinadas características e novas linhagens onde a gente avalia rendimento, qualidade e então é lançado no cultivar. Para se ter uma ideia, agora é que está indo uma cultivar de quando eu ainda era estagiária, e isso já faz quase seis anos. É um processo de anos de pesquisa e de estudo.
Como é tua rotina de trabalho?
Normalmente, no início do ano, nós trabalhamos no cerrado. São muitas viagens para todo o Brasil e até a metade do ano fico por essa região fazendo seleção de populações segregantes. No campo, que eu digo, é avaliando materiais. As populações são linhas de um metro de trigo, onde ao lado tem outro material diferente e isso são muitas linhas no campo. São áreas experimentais de testes. São “filhos” que estamos vendo o potencial para depois serem um possível cultivar. Ele vai ter que ir crescendo até ser “adulto o suficiente” para ser uma possível cultivar. São anos de pesquisa e avaliações visuais de como é a folha, a espiga, se a planta tem resistência ou não. Tem que ser saudável, ter rendimento, um bom pH, uma boa proteína, para depois, lá na frente, essa farinha chegar no moinho e ser aceita. Tem que ser aceita pelo produtor, na função de render bastante, e também para o moinho, para ter boa qualidade de farinha. Depois, passamos os dados e têm equipes de laboratórios que fazem outras inúmeras análises. Não adianta o material ter um rendimento enorme, mas não ter uma boa sanidade. É um quebra-cabeça e quando está totalmente ajustado é que é lançado no mercado.
Qual a importância do melhoramento? Principalmente pensando no trigo.
Para o agronegócio, principalmente para se ter materiais adaptados à nossa região, é de extrema importância. É muito novo esse cultivo no cerrado, então são trigos adaptados para a região. Lá faz calor, tem seca, alumínio no solo. Fazer materiais específicos para a região é um passo enorme na agricultura brasileira para poder entregar materiais que consigam ter rendimento, qualidade e segurança para o produtor. O Brasil tem muita área que ainda pode ser desbravada e o trigo é uma novidade nessas áreas. E acho que ainda vai crescer muito.
Como é levar a ciência para o trabalho e aplicar isso no campo?
É muito lindo ver o que se aprende na faculdade e poder trazer essa realidade para o agricultor. Dar mais segurança, principalmente, para ele poder semear e ter uma rentabilidade maior. Querendo ou não, é o que eles buscam, um produto sadio e com qualidade e que possa trazer benefícios adaptados a cada região.
A Agronomia é uma das profissões fundamentais para a agricultura. Como se manter atualizado?
Quando pensei em fazer Agronomia, não imaginava que era tanta coisa. É muito estudo e tem que estar sempre buscando se inovar. A ciência voa. Tem que estar sempre buscando leituras, pesquisas que saem. E a prática do dia-a-dia do campo ajuda muito. Conversar com o agricultor e saber o que ele precisa. Quando estamos fazendo o cruzamento no laboratório, estamos pensando daqui cinco ou seis anos na frente o que vai ter no mercado. O melhoramento é uma coisa do futuro e temos que estar sempre ligados para novos cultivares e qual será a demanda daqui para frente e melhorar as lavouras.
O que é preciso ter para seguir nessa profissão e por onde começar?
Primeira coisa, tem que gostar de campo. Não pode se importar de estar sujo, de passar calor, frio, pegar chuva. Para ser um bom agrônomo tem que gostar de campo e também de estudar bastante. Tem a parte de cálculos, de estatística... é uma ciência bem complexa.