Novos investimentos da General Motors (GM) no Brasil estão sob risco, e isso inclui o complexo da montadora em Gravataí, no Rio Grande do Sul. O motivo é a discussão sobre a prorrogação de incentivos para montadoras instaladas no Nordeste e no Centro-Oeste, que se concentram em benefícios ao grupo Stellantis, dono das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, que tem uma unidade fabril em Goiana (PE).
No total, são R$ 5 bilhões de créditos de impostos por ano, o que deixa o veículo da montadora até 20% mais barato na hora da venda. O montante é grande e passou a beneficiar também fábricas do grupo no Rio de Janeiro e em Minas Gerais a partir de uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), extrapolando o território do incentivo fiscal, que foi criado no final da década de 1990, duraria até 2010, mas já foi prorrogado duas vezes.
O encerramento está previsto para o final de 2024, mas a Stellantis tenta prorrogá-lo até 2032. Para isso, foi proposta uma emenda à reforma tributária ainda na Câmara dos Deputados. Na finaleira e por apenas um voto, não passou. Agora, tenta-se colocá-la no Senado. Do outro lado, GM, Volkswagen, Hyundai e Toyota tentam evitar a continuidade do benefício. O entendimento é de que a concorrência é desleal, principalmente por, agora, beneficiar fábricas em outras regiões. Além disso, alegam que o investimento da montadora já foi amortizado.
Com o cuidado de não falar pelas demais montadoras, o vice-presidente de políticas públicas e comunicações da GM, Fábio Rua, conversou com a coluna sobre o assunto e confirmou que investimentos futuros no Brasil ficam sob risco, com tendência de não ocorrerem.
— O país não é considerado um mercado competitivo para investimentos, pois não se tem simetria tributária. Isso impacta nossa capacidade de vender nosso carro. Ninguém está pedindo nada além de isonomia — afirmou o executivo.
Na argumentação ao governo federal feita pelas quatro montadoras contrárias à nova prorrogação do benefício, está o impacto também nas contas dos outros Estados pelo tributo que deixa de ser arrecadado. Ao Rio Grande do Sul e municípios gaúchos, estimam que R$ 134 milhões deixem de ser repassados entre 2021 e 2025 pelo fundo de participação.
Além disso, usam como reforço uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre resultados de concessão de benefícios que apontou que a indústria automotiva do Nordeste recebeu R$ 50 bilhões desde 2010. Cada emprego na fábrica de Pernambuco representa R$ 34,4 mil mensais de renúncia fiscal. Ao mesmo tempo, o relatório aponta que o perfil de desenvolvimento dos locais não é maior do que o de cidades sem o incentivo.
As montadoras, porém, apoiam outra emenda de incentivo automotivo na reforma tributária. Por esta, estaria garantido o benefício para a BYD, montadora chinesa que pretende se instalar no complexo da Ford, na Bahia, herdando as condições tributárias. O argumento é de que seria uma fábrica de carros elétricos, com investimento em inovação. O benefício, porém, seria temporário por cinco anos.
A coluna também procurou a Stellantis para tratar do assunto e aguarda retorno.
Fábrica gaúcha pode minguar
Por mais que a GM fale somente de risco para investimentos futuros sem redução ou fechamento da operação atual, a unidade gaúcha deverá, sim, minguar neste cenário. Isso porque a montadora tem meta de eletrificar sua produção inteira até 2030. Para isso, teria que transformar a unidade do Rio Grande do Sul, que hoje produz apenas carros a combustão. Sem investimentos, essa virada não ocorrerá.
O medo no Rio Grande do Sul
O complexo da GM é capaz de movimentar o PIB do Estado, como se viu nas paradas provocadas por falta de peças na pandemia. O prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon, diz estar perdendo o sono.
— Metade da arrecadação da cidade vem da empresa. Somos "GM-dependentes". Já falei com deputados e senadores sobre o assunto. A montadora diz que nem praticando preço de custo conseguirá competir com veículos da marca do grupo Stellantis. Precisamos nos mexer — afirma o prefeito, que tem participado de reuniões sobre o assunto.
Além da montadora, o complexo gaúcho tem as sistemistas, que são as fornecedoras instaladas no local. No total, emprega mais de 5 mil pessoas, informa o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, Valcir Ascari.
Mais de 20 anos no RS
Inaugurado em 20 de julho de 2000, o complexo da GM no Rio Grande do Sul já fabricou mais de 4,5 milhões de carros. A fábrica passou por três expansões, que somaram R$ 4,5 bilhões. Após fabricar o Celta, as reformas e ampliações viabilizaram o Prisma, o Onix e, mais recentemente, o Novo Onix e o Novo Onix Plus.
Ouça o comentário no Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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