Os pedidos de recuperação judicial de empresas dispararam. O crédito caro tem sido apontado como principal culpado pelos executivos, mas há sérios problemas de gestão, diz o especialista em reestruturação de empresas e sócio-fundador da Excellance, Max Mustrangi. Confira abaixo trechos da entrevista "papo reto" e ouça a íntegra no final da coluna.
O que está quebrando as empresas?
Nada mais é do que o efeito de anos de gestão perdulária. Tivemos décadas de juros negativos do mundo, o dinheiro era muito barato e as empresas investiam no crescimento, na busca do IPO (abertura de capital), o pote de ouro no final do arco-íris. Mas, muitas vezes, é crescimento perdendo rentabilidade, vazio, com ineficiência financeira. Para ter mais pontos de venda, precisa colocar estrutura. Se a rentabilidade de cada ponto não vem, aumenta o rombo na dívida. Você vai tomar dinheiro barato no mercado financeiro. A inflação pega, o banco central aumenta o juro e o dinheiro passa a ser caro. Aí, começa a ter problema financeiro nas empresas, que passam a ter prejuízo, ficam inadimplentes, o risco do crédito sobe, o limite reduz e as empresas começam a quebrar. Nada mais do que isso, má gestão de recursos e de crescimento atrás do pote de ouro do IPO.
E aquelas que colocam a culpa na Selic (taxa básica de juro definida pelo Banco Central)?
Tem empresa com boa estratégia e boa gestão, como a Arezzo, mas a grande maioria buscou o crescimento a qualquer custo e vem falar agora no final do jogo que a culpa é da Selic, quando teve anos ou décadas de má gestão. A Marisa anunciou que vai fechar de cara 91 lojas que não são rentáveis. Vem me falar que em um mês descobriu isso? Por favor, já sabem há dois, três anos. Deviam ter uma métrica de sistema de incentivo que era o crescimento do faturamento. Muito provavelmente os executivos foram pagos para isso, assim como outras empresas também. Só estão colhendo o que plantaram.
É histórico que injetar dinheiro na economia eleva inflação, que aumenta juro. No que as empresas apostavam para não prever isso?
Não perceberam que os pacotes de governo na pandemia injetaram muito dinheiro. Pegou todo mundo com uma dívida extremamente alta, que não consegue mais reverter. É o gordo de 200 quilos que reclama do bolo que comeu ontem. Não foi o bolo o problema. Foram os 20, 30 anos da vida pregressa, quando ele não soube gerenciar a saúde dele.
O que vai acontecer com o varejo, por exemplo?
O fechamento dos pontos de venda que estamos vendo deveria ter sido feito há muito tempo, porque não são rentáveis. Vai ter desemprego por um tempo. Tem que reduzir a estrutura corporativa para que não fique pesada para o que sobrar. A tendência natural é que haja uma consolidação. O que está um pouco melhor comprar o que está pior para melhorar a escala. Até porque o pior está tentando passar do que eu chamo do mico: sabe que vai quebrar na mão dele. Vai se estender a outros setores, como a construção civil, onde temos duas ou três grandes empresas com sérios problemas de alavancagem, como Tenda e MRV. Com margens baixas, a alavancagem pega quando perde volume. A Portobello também tem resultados negativos. Mas quem estiver vivo do outro lado do deserto encontrará o mercado livre.
Quem deve ficar vivo?
Não é a marca, é quem souber gerenciar o caixa. A máxima do nosso setor é "cash is king" (dinheiro é o rei), quem manda é o caixa. É diferente do resultado financeiro. Você pode ter prejuízo e ficar 10 anos sem quebrar porque você tinha estoque de dinheiro. Você pode estar sem estoque de dinheiro, altamente alavancado, não conseguir pagar conta, pedirem sua falência e você quebra.
Como gerenciar bem o caixa?
São três principais variáveis: uma é estoque, tanto de insumos, matéria-prima, material de embalagem, quanto produto acabado. Ter excesso de estoque em relação à venda, é dinheiro parado em formato de produto. Deixa de entrar no caixa para pagar conta e está lá tomando pó. Entro em empresas e a primeira coisa que digo é "meu Deus do céu, é por isso que está quebrando, está com dinheiro no lugar errado". Segunda coisa são prazos de pagamento de fornecedores. Quando é curto, é dinheiro que sai do seu caixa. Está difícil, porque todo mundo quer encurtar, mas tem que alongar o máximo possível. E aí eu já entro no terceiro fator, que é o prazo de recebimento do que você vendeu. No desespero de fazer caixa, muitas empresas dão desconto, que piora a rentabilidade, e prazo mais longo para tentar fazer a venda. Piora a rentabilidade, porque vai receber lá longe, piora o capital de giro, aumenta o risco. Aquele cara que tem que pagar, vai escolher quem é mais importante e talvez você fique no final da fila.
O que a empresa pode fazer quando chegou a um ponto complicadíssimo?
O que elas poderiam fazer - e não estou brincando - é te contratar, porque você conhece bastante, mas elas não vão fazer. Não vão contratar nem você nem eu, porque o que acontece é o negacionismo. O ego do acionista, do controlador é muito grande, tanto empresa nacional, quanto multinacional. O que mais atrapalha as empresas é o ego, elas não admitem que têm problema. Ao invés de atacar o tumor enquanto é pequeno, negam que ele existe e quando percebem que estão com câncer, estão na UTI ou vendo a cova. Muitas vezes, não aceito o cliente porque não tem mais jeito. Outra coisa que os controladores acionistas não fazem é entender que precisam trocar o grupo de gestão, que não fez o que deveria ter feito até então. Muitas vezes, porque o controlador não deixou, tem ligações emocionais com certas decisões, fornecedores e clientes. Tem que tomar decisão racional, sem emoção. Sangue Frio.
Ao invés de atacar o tumor enquanto é pequeno, negam que ele existe.
MAX MUSTRANGI
Especialista em reestruturação de empresas
Qual o efeito do rombo da Americanas no crédito?
É diferente porque tivemos manipulação de dados contábeis. Mas tivemos só neste ano R$ 100 bilhões de dívidas de recuperação judicial dinheiro que sumiu do mercado. Na hora que o banco percebeu o tamanho do buraco, ele vai ser muito mais seletivo de para quem ele vai emprestar dinheiro. Vai dar para aquele que não precisa, que tem garantia. Quem precisa não consegue pegar. A Americanas disparou o processo, veio a Oi, Light, o Grupo Petrópolis. A tendência é de piora, porque outros grupos vão vir. Ninguém fala que vai pedir RJ, que está mal. Na sexta-feira ao final do período comercial, a empresa pede RJ e vem números astronômicos.
Ouça a entrevista na íntegra no podcast Nossa Economia, de GZH:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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