Enquanto muitos pregam terra arrasada, a inflação cai e o PIB cresce mais do que o previsto. A pressão sobre o Banco Central para reduzir juro é forte, mas o corte irá ocorrer com ou sem ela. Estes assuntos e reforma tributária foram pauta da entrevista do programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha, com o economista Ricardo Amorim, que estará em Porto Alegre no dia 27 para a conferência Mentes Brilhantes.
Governo federal e alguns empresários pressionam para reduzir o juro, o Banco Central pede paciência. É hora de cortar a Selic?
Não tenho dúvida que o Banco Central terá a paciência necessária. A boa notícia é que eu acho que não vai precisar de muita. Estamos chegando muito perto do ponto onde há ou haverá condições para que tecnicamente possa se cortar a taxa de juros. Acho até que o corte será maior do que o mercado está imaginando. Por consequência, a expansão de crédito e o crescimento da economia também serão. Há uma queda global da inflação, porque os preços de metais, energia e alimentos vêm caindo. Soma-se a isso o juro alto do Brasil e o menor risco geopolítico atrair capital externo para renda fixa e a bolsa brasileira, que está barata. Tudo isso faz o dólar cair, produtos importados ficam mais baratos, inflação cai mais, há espaço para o Banco Central cortar juros sem ter que ceder a pressão. Aliás, se não fossem as pressões, talvez o juro até já tivesse caído. Elas colocam o Banco Central na posição de "mulher de César": Não basta ser honesta, tem que parecer honesta. Tem que parecer que não cede às pressões e, para isso, tem que ser ainda mais rígido.
Qual sua avaliação do trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticado quando indicado, mas agora é o pulso firme do governo contra gastos?
Ele tem se transformado em, talvez, o principal fiador da confiança da política econômica do governo atual. Temos um processo que começou no governo anterior, no qual presidentes da República se transformaram em grandes líderes de torcida. Entre o discurso do presidente e a prática dos governos, há distâncias enormes. Grande parte do que os presidentes dizem não vira a verdade. No caso do Bolsonaro e do Lula, a sensação que eu tenho é que estão falando só para a própria torcida, para os apoiadores mais aguerridos. Neste sentido, Haddad é, talvez, a pedra fundamental. No caso do Bolsonaro, esse problema do discurso tratava em geral de temas socioculturais, porque a agenda que falava ao coração dele não passava pela economia. Ele pouco se importava, dizia "vai falar com o Paulo Guedes (ex-ministro da Economia)". O discurso do Lula passa pela parte econômica, o que atrapalha mais.
A reforma tributária vai sair?
Não sei e, do jeito que está, não sei se torço para sair. O Brasil precisa desesperadamente, mas que reduza a carga tributária e o efeito nocivo da concentração de renda, porque tributa consumo. Se acabar com programas socialmente injustos, libera R$ 1 trilhão por ano, que é o dobro do que a reforma está mexendo. Ela reduz imposto na indústria, só que aumenta em R$ 20 bilhões o que o agronegócio paga e em R$ 480 bilhões para comércio e serviços. Como serviços é o setor que mais contrata, um monte de gente vai perder o emprego. Os ganhos da indústria deixam de acontecer porque o consumo despenca. Essa reforma é problema, não solução. Se quer uma justa, a primeira coisa é uma reforma administrativa, acabar com o gasto, reduzir imposto sobre consumo, acabar com a injustiça. Aí, vou sair batendo bumbo pela reforma.
O empresário se retraiu demais, o que acaba emperrando a economia. Não é hora de avançar?
Cada vez que o presidente Lula faz declarações que aumentam a incerteza, mesmo que não se concretizem, está falando para um monte de empresário pisar no freio. Mas outra parte vem da hiperpolarização na política que criou cenários onde as pessoas passaram a achar que um era a salvação no Brasil e que, no outro, o país estava condenado, sendo que nenhuma das duas coisas é verdade. Tem um monte de coisa ajudando a economia mundial. O banco central dos Estados Unidos parou de subir juro e a China adotou medidas importantes para estimular o setor imobiliário, o que significa mais importação de minério de ferro. Brasil vende, entra dólar. No começo deste ano, o pessoal projetava que o PIB no Brasil não ia crescer. Agora está em 1,5%, 2,5%... Acho que vai chegar nisso, se não mais. Com um pessimismo exagerado do empresariado, quem perde é ele mesmo. Quem aproveita são os concorrentes.
Ouça a entrevista no programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha:
Assista à íntegra da entrevista:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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