Ao usar o termo "bobagem" para falar da autonomia do Banco Central e criticar a política econômica da autoridade monetária de usar o juro como ferramenta de controle da inflação, o presidente Lula balançou o bastião que ainda traz segurança e previsibilidade aos agentes econômicos do país, especialmente o mercado financeiro. O dólar subiu, a bolsa caiu. A fala, porém, foi relativizada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, durante entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na qual garantiu que Lula respeitará a independência do Banco Central e que não há iniciativa alguma do novo governo federal de mexer na lei que a conferiu ao órgão.
- Posso afirmar que ele vai ter uma relação de respeito à autonomia do atual presidente do Banco Central. Agora, sabemos que nem todo presidente é respeitoso com as instituições como é o presidente Lula. Por isso, não existe nenhuma disposição, nenhuma iniciativa por parte do governo de apoiar qualquer mudança na legislação em relação ao Banco Central hoje - enfatizou o ministro.
Padilha disse que Lula estava se referindo à experiência dele de dois mandatos com o então tucano Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, e que estaria querendo dizer que não precisava de uma lei para conferir autonomia ao presidente do órgão. Lembrando que Meirelles foi escolhido para o cargo logo no início do primeiro mandato como uma resposta para tranquilizar o mercado financeiro do caminho que Lula pretendia dar à política monetária brasileira.
- Nós sabemos que a política monetária, o papel de análise que o Banco Central tem, da macroeconomia, são itens muito importantes, são experiências internacionais que contribuem para um ambiente de segurança, de estabilidade.
Quando a inflação está alta, o Banco Central eleva a taxa de juro Selic. Isso reduz crédito, sendo um remédio amargo que trava a economia. Além disso, atrai investimento estrangeiro em busca de rentabilidade no Brasil, o que traz dólares, evitando desvalorização maior do real, o que também ajuda a conter inflação.
No auge da pandemia, a Selic foi reduzida a apenas 2% como estímulo econômico para enfrentar a crise. Com a inflação, começou a ser elevada até chegar a 13,75%. A esperança é de que caia em 2023, mas é preciso inflação sob controle e responsabilidade fiscal para o Banco Central fazer isso. A mesma política monetária está sendo adotada pelo mundo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa que enfrentam alta de inflação com escassez de energia e impacto nos preços dos alimentos, além da pressão de serviços.
Trecho da fala de Lula na entrevista à Globonews:
"Nesse país se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que ia melhorar o quê? Eu posso te dizer com a minha experiência, é uma bobagem achar que o presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente era que indicava. Eu duvido que esse presidente do Banco Central seja mais independente do que foi o Meirelles. Duvido. Por que com um banco independente, a inflação está do jeito que está?
Leia trechos da entrevista do ministro Alexandre Padilha à Rádio Gaúcha e ouça a íntegra no final da coluna:
O presidente Lula disse que a autonomia do Banco Central é uma bobagem, criticando a independência da autoridade monetária. Isso gera uma inquietação no mercado financeiro e nos agentes econômicos no geral. O senhor também considera a autonomia do Banco Central uma bobagem? O governo tem planos diferentes para o órgão?
Eu quero recuperar exatamente a fala do presidente. Ele disse o seguinte: "pela minha experiência..." Então, quando o presidente Lula fala da experiência dele, ele está remontando a experiência de ter dado plena autonomia para o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sem a lei pré-estabelecer isso. O presidente Lula está falando da sua experiência. Ele sempre repete. Já vi ele repetir várias vezes isso de falar assim: "duvido alguém que possa dizer que o Meirelles não teve autonomia necessária, que tenha mais ou menos autonomia". Não tem nenhum debate no governo no sentido de mudar a lei. O presidente Lula estava falando da experiência dele, da relação que teve com o Henrique Meirelles, com o presidente do Banco Central naquele momento. Nós sabemos que a política monetária, o papel de análise que o Banco Central tem, da macroeconomia, são itens muito importantes, são experiências internacionais que contribuem para um ambiente de segurança, de estabilidade. Nem todo presidente é como o presidente Lula. Ele garantiu a autonomia efetiva para o Banco Central quando governava com Henrique Meirelles e vai respeitar a lei hoje que também garante autonomia de atuação do Banco Central sempre. Não é uma autonomia sem compromissos, a própria lei estabelece isso e o próprio presidente do Banco Central vem buscando cumprir isso. É uma autonomia a partir de buscar cumprir metas de inflação, garantir metas de geração de emprego. O Banco Central, inclusive, tem que fazer demonstrações, explicações, prestar contas para a sociedade quando isso vem acontecendo ou não. É um aprimoramento institucional importante. Quando o presidente quando da experiência de ter garantido autonomia ao presidente do Banco Central Henrique Meirelles na época dos seus oito anos de governo, diz que não precisava de lei que garanta autonomia. Posso afirmar que ele vai ter uma relação de respeito à autonomia do atual presidente do Banco Central. Agora, sabemos que nem todo presidente é respeitoso com as instituições como é o presidente Lula. Por isso, não existe nenhuma disposição, nenhuma iniciativa por parte do governo de apoiar qualquer mudança na legislação em relação ao Banco Central hoje.
Promessa de Lula na campanha, a atualização da tabela do Imposto de Renda ocorreria pela reforma tributária. Há uma proposta enviada pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes travada no Congresso. Como será o projeto de vocês e quando?
Eu diria que já. O diálogo com o presidente da Câmara e o presidente do Senado já vem sendo feito através do ministro Fernando Haddad (da Fazenda).Tem duas propostas de reforma tributária. Uma delas está no Senado. Não é reinventar a roda. A nossa ideia é exatamente pegar essas propostas, construir um diálogo com a sociedade e com o Congresso através do conselhão, que nós vamos refundar. É prioridade absoluta construirmos um ambiente para aprovar uma proposta de reforma tributária neste ano no Congresso. Acho que o Brasil tem tudo para aprovarmos uma reforma que simplifica os impostos, reduz custo de quem quer investir para gerar emprego no país, quem quer investir para enfrentar os nossos gargalos de infraestrutura, para aprimorar os serviços. Que possa tornar a situação, o regime tributário no país de forma mais justa, porque hoje quem mais paga impostos é a classe média, que vive da renda do seu trabalho. Quem mais paga impostos são os mais pobres, aqueles que a maior parte do seu salário é utilizada para consumir produtos de sobrevivência, alimentos, material escolar para as suas crianças. Aqueles que vivem da especulação financeira, de investimentos especulativos, de atividade que geram pouco emprego, mas geram muito lucro, acabam sendo os poupados na contribuição dos impostos. Queremos avançar em uma reforma tributária mais justa, aliviando a vida da classe média, de quem trabalha e vive da sua renda. E aumentando a contribuição daqueles que têm atividades muito lucrativas e que geram pouco emprego.
Sobre a perda de arrecadação a partir da redução das alíquotas de ICMS, vai ocorrer a compensação financeira dos Estados?
Infelizmente, essa foi uma bomba interfederativa, uma bomba fiscal deixada por Bolsonaro de forma irresponsável no ano passado, quando ele fez uma verdadeira operação financeira, administrativa, até policial, para tentar ganhar as eleições. Esse é um tema que precisa ser tratado e certamente será agora na reunião do 27 de janeiro dos governadores. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estará nela. No âmbito da discussão da reforma tributária, eu acho que podemos restabelecer o equilíbrio federativo, avançar na capacidade de municípios e Estados terem mais recursos. Como construiremos uma solução para essa irresponsabilidade cometida por Bolsonaro.
Colaborou Vitor Netto
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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