A inflação é o desafio de 2022 de vários países, incluindo do Brasil. Medidas foram anunciadas, como corte de imposto para itens da cesta básica e o esforço do governo federal para aprovar rapidamente no Congresso o projeto que reduz ICMS, além da retirada da cobrança da bandeira tarifária da conta de luz. O programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, tratou do assunto com o coordenador das pesquisas de inflação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz. Confira:
As medidas são suficientes para amenizar a inflação ainda neste ano?
Algumas podem até amenizar um pouco, mas a inflação anda muito persistente e espalhada. É difícil antecipar o real efeito que tais medidas vão trazer para conter a inflação neste ano. Há muita incerteza no ar, ditada pela covid-19 na Ásia, guerra entre a Rússia e Ucrânia, eleições aqui no Brasil e aumento de juro nos Estados Unidos. Algumas medidas anteriores nem trouxeram grande alento na inflação, nem foram tão percebidas, até porque os preços continuam se movimentando e a tendência é de alta. Tira o imposto, mas os preços seguem avançando. O efeito mais palpável pode ser percebido na conta de energia. A bandeira de escassez hídrica já tinha uma data mesmo para ser colocada de lado, isso porque o volume de chuvas aumentou e a própria agência reguladora anunciava que a partir de maio nós já não teríamos mais a bandeira de escassez hídrica. A questão é que o governo antecipou para 16 de abril o fim da bandeira, mas isso já era um efeito esperado. Porém, a energia tem subido mais neste ano. Os aumentos médios dos concessionários têm ido na direção de 20%. Isso mais do que compensa o fim da bandeira. Em alguns Estados, praticamente não se percebeu de forma líquida a redução do preço da energia. Nos combustíveis, a questão é que nós já temos uma defasagem com o preço internacional. A redução de imposto pode trazer desaceleração no preço, mas o petróleo encosta em US$ 120 o barril. São muitos desafios. Reduzir imposto pode causar um problema maior quanto à arrecadação, porque alguns Estados vão ter que rever suas contas e se o governo federal realmente vai ter fôlego de fazer a compensação. O próprio governo federal precisa estruturar suas contas públicas, explicar melhor de onde vai tirar recursos para bancar essa redução de imposto. Isso não é trivial porque aumenta a incerteza aqui no Brasil, que pode não favorecer a valorização de nossa moeda e a taxa de câmbio é outra veia de transmissão de inflação ao consumidor.
Em um trabalho de futurologia, até que ponto a inflação vai aumentar?
Olha, nossa estimativa é de que os índices comecem a desacelerar agora em junho. Hoje ela está perto de 12%. A tendência é ir na direção de 8,5%, 9% até dezembro. Agora, não dá para comemorar. É extremamente alta para as metas de inflação estabelecidas para 2022. Então, a expectativa é de que a nossa taxa básica de juros, a Selic, suba na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) e, a partir do ano que vem, haver uma redução. Mas sempre que termina o ano com uma inflação alta - e ano passado foi assim - realimenta o processo inflacionário para o ano seguinte. Nosso país ainda é muito indexado. Vemos isso na mensalidade escolar, que olha para a inflação passada, no aluguel, nos salários e em várias outras despesas que pagamos, como plano de saúde e medicamentos.
A inflação está mais alta aqui no Brasil, mas é um problema mundial, afetando também Estados Unidos e Europa. O que tem de diferente e de semelhante entre a inflação brasileira e a dessas economias mais maduras?
O mundo é globalizado. Então, efeitos de aumento de preços de energia, sobretudo petróleo e seus derivados, chegam a todos os cantos. E são insumos sem os quais a indústria, a agricultura e os serviços não funcionam. Com isso, a inflação se espalha. A geração de energia pelas hidrelétricas às vezes não funciona tão bem porque para de chover. A mesma coisa é o nosso frete, somos intensivos no transporte rodoviário. Abandonamos o investimento em outro meios de transporte que poderiam diminuir a dependência do diesel. Deveríamos investir na nossa matriz energética, mas não é feito da noite para o dia. Cada país tenta driblar esses efeitos. Os Estados Unidos estão tentando ver se cortam o imposto para o produto importado entrar mais barato. O mundo está com uma crise de oferta em função da guerra e das sanções contra a Rússia. Enquanto ela não cessar e o mundo não voltar a usar melhor a globalização que foi construída por décadas, a oferta vai continuar ameaçando várias economias, o que quer dizer que a inflação vai continuar persistindo, refletindo até em má dificuldade na obtenção de alimentos.
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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