Inflação, cadeia de suprimentos e comércio exterior foram alguns dos temas da conversa do programa Acerto de Contas, ainda em Nova York, com o economista John Welch, especialista em mercados emergentes e fundador da Research for Emerging Markets (REM). Ele morou no Brasil por muitos anos, foi economista em grandes bancos de varejo e em instituições de investimento.
O que me chamou atenção aqui foi a preocupação dos Estados Unidos com a inflação. O norte-americano não estava, definitivamente, acostumado, não?
Sim, realmente. A última vez que os Estados Unidos tiveram uma inflação significativa foi no início dos anos 1990. Se você está trabalhando no mercado aqui, concentrado nos Estados Unidos, você não conhece a inflação, só se você tem, pelo menos 52 ou 53 anos. Os brasileiros conhecem inflação. E temos aqui inflação. Essa história de ser temporário não me faz sentido nenhum.
Quais as diferenças e semelhanças das inflações dos Estados Unidos e do Brasil?
A primeira é que como os Estados Unidos esqueceram como é a inflação, o Banco Central continua imprimindo moeda. A mudança de atitude sobre isso está rápida. E também tem juro zero. Há um mês atrás, falavam que no meio do ano vão parar de comprar bônus e possivelmente anunciar o primeiro aumento de taxa de juros do FED Funds [taxa de juros diretora, à qual o Banco Central empresta para os bancos comerciais], e agora para março. Eu acho que vão acelerar, porque no Brasil o Banco Central começou a apertar porque sabia que a recuperação vem em estágios. Se já teve um choque em termos de preços de commodities, também o dólar alto, mas quando serviços vem, o Banco Central já começou a apertar o juros, mesmo sob críticas. Eu acho que o posicionamento do banco central brasileiro é muito mais oportuno do que o posicionamento do banco central americano.
Pois o posicionamento do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) tem uma influência grande no câmbio, relação dólar-real. Qualquer colocação que o Federal Reserve faz nos Estados Unidos mexe de imediato no câmbio no Brasil. Qual a perspectiva que podemos ter em relação a isso?
Essa é uma questão que não tem parâmetros, coisas fixas, porque são expectativas. A diferença entre agora e a última vez que o FED realmente apertou, é que a política fiscal, de uma forma ou outra, tem um pouco de credibilidade. Tem várias leis fiscais, que até agora não foram quebradas, como o teto de gastos. Então, realmente, um aumento de juros não vai criar tanto dano como nos anos passados. A segunda coisa é que na parte de taxa de juro no Brasil, a Selic, está em 9,25%. É diferente de zero, diferença gigantesca. Mesmo descontando a inflação. Eu uso um sentido de núcleo diferente: eu sempre concentro na inflação dos não comerciáveis, como serviços. Porque especialmente em um contexto de flutuação de câmbio, é a inflação que o Banco Central pode controlar mais diretamente. Isso, para mim, é o mais importante. A inflação, no Brasil, dos não comerciáveis é bem moderada, 5,3% no ano passado. Eu estou muito mais confortável com a situação monetária do Brasil do que daqui. E o Brasil está em uma boa posição para resistir a qualquer alta de juros que vier dos Estados Unidos.
Nós falamos de questões macroeconômicas, mas como esse cenário está interferindo nos setores econômicos dos Estados Unidos? Estávamos na feira de varejo, mas como estão os setores industriais, de serviços, agronegócio?
Aqui tem demanda demais para tudo. Sim, tivemos um choque externo, a covid-19. E também criou problemas de abastecimento em vários setores, principalmente automóveis, e também as coisas que antecederam em termos de comércio exterior, que também atrapalharam. O Trump colocou muita coisa protecionista e depois foi muito difícil achar vários produtos. Mas tem lado de oferta e demanda. E demanda é gigantesca. Não tem nada que está inibindo o crescimento da demanda. Estamos batendo recorde de déficits fiscais como porcentagem do PIB, já ultrapassamos o déficit da Segunda Guerra Mundial. E estamos propondo ainda mais gastos públicos, e um Banco Central que ainda está frouxo, não está resistindo. Eu nunca vi na minha vida uma coisa assim. Quando estive fazendo meu PHD, comecei em 1981, olhando para os anos 1970, e achei que repetir os anos 1970 seria quase impossível, mas acho que vai ser ainda pior.
Falando em comércio exterior, como está relação dos Estados Unidos com Brasil? Como está se olhando, por exemplo, as eleições, que costumam criar anos mais tensos. Há uma perspectiva para esse ano?
Infelizmente a visão dos brasileiros com comércio exterior dos Estados Unidos não tem muito impacto nos americanos. Os problemas que os brasileiros têm para exportar não vão ser resolvidos. A administração Biden é tão protecionista como do Trump. Não mudaram nada. Inclusive, os dois são campeões dos sindicatos. Eles estão contra várias coisas da administração Biden, são contra vários acordos que temos. E já vai ter uma grande briga sobre isso. Mas também acho que não vai piorar. Realmente tem muita resistência em fazer coisas com Brasil. No contrário, o Brasil tem um viés para abrir, mas ainda segue muito fechado. Realmente tem setores que tem proteção efetiva de mais de 75%. E não são setores novos, de mais de 100 anos. Eu acho que a melhor coisa para o Brasil é abrir. Não espera os outros, já abre. Isso vai melhorar, mesmo para exportadores. Porque isso vai aumentar acesso ao mercado. Mas em termos de comércio exterior, as políticas são meio congeladas.
Outra questão é a cadeia de suprimentos, que é um gargalo que estamos enfrentando no Brasil. Aqui nos Estados Unidos foi um tema muito recorrente também no evento que acompanhei. Lá no Brasil está tendo um movimento, inclusive, de discutir reindustrialização. Até varejistas que antes compravam da China estão buscando, para suprir demanda emergencial, a fabricação local. Aqui nos Estados Unidos acontece esse movimento também?
Sim. Tem uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil: o dólar no Brasil está muito alto, e mesmo assim a indústria não está crescendo muito bem. Esse é um grande mistério. Na minha opinião pessoal, é que isso vem de anos de protecionismo, e, realmente, a indústria brasileira precisa se atualizar um pouco em termos de processos. E a melhor maneira de fazer isso é abrir, e não fechar. Aqui, em termos de indústria, as indústrias vão bem mesmo assim. Eles estão perdendo porque não podem vender, especialmente no setor automobilístico, e também estão tentando pegar insumos. Isso é difícil. A administração Biden, eu esperei que eles iriam reentrar no PPP, que agora tem outro nome. A primeira coisa que Trump foi sair com os outros países asiáticos. Seriam bom supridores dos insumos e outros produtos que são insumos também para indústria, especialmente, eletrônicas e TI. Mas não fez ainda. Ainda continua polarização com China e não avançou muito nessa parte. As companhias estão lidando, estão tentando achar outros lugares, e realmente o Brasil está em boas condições para entrar nessa parte nos Estados Unidos. O Brasil tem uma logística muito boa, tem pátios, agora, especialmente TI, fintech, tem lugares onde os brasileiros podem entrar, e espero que isso se desenvolva.
Para fechar, uma pergunta sobre combustíveis, a principal pressão sobre a nossa inflação no Brasil ano passado. Aqui pressionou bastante também, pelo que eu vi. Setor de energia também. Joe Biden vinha publicamente tentando puxar outros países para que pressionasse a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) para aumentar a produção de petróleo e controlar os preços dos combustíveis. Qual a força dos Estados Unidos para fazer esse tipo de controle?
Acho que tem pouca. Especialmente depois que fechamos vários pipelines de abastecimento por causa de meio ambiente. Realmente, temos um viés contra a produção de petróleo nos Estados Unidos. Os Estados Unidos começou a ser um exportador líquido de petróleo anos atrás, e isso parou para dizer aos países que são aliados, mas não fortemente amigos, para aumentar a produção, especialmente quando estão ganhando muito dinheiro. O mercado é mundial. Tem muitos produtores que podem competir. A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) não é tão forte como era antes, incluindo o Brasil. Acho que a única maneira de o preço vir para baixo é a produção mundial começar a aumentar. E já começou. Tentar fazer uma regra aqui, ali, especialmente no Brasil, que tem histórico de subsidiar vários setores com preços mais baixo de combustível, cria problemas em si. Tem expansão demais em vários setores que não deveria estar acontecendo. Mercado, quando preço fica alto, as pessoas ganham muito dinheiro produzindo, então vai ter uma reação sim. Pode ser que não aconteça até ano que vem, mas infelizmente o preço alto faz duas coisas: o consumo cai, o segundo é incentivar a produção. Temos que deixar isso acontecer.
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* A coluna Acerto de Contas, do Grupo RBS, está em Nova York para cobrir a 112a. NRF, feira anual de varejo, a convite de Sindilojas Porto Alegre e CDL Porto Alegre. Participa do grupo FFX Eperience.