O futuro do dinheiro, do Pix, do Open Banking e do Real Digital foram temas da entrevista do programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, com Rodrigoh Henriques, líder de inovação da Federação Nacional das Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac) e coordenador do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas, o Lift Lab. Ele esteve no South Summit, em Porto Alegre. Confira:
Qual é o futuro do dinheiro? O papel vai acabar?
É engraçado porque, por exemplo, a gente quase não vê cheque mais. É verdade, mas a gente vê cheque. O cheque, mesmo que eventual, tem um motivo pra existir: eu confio em você, você confia em mim, eu não tenho dinheiro, passo cheque direto pra você, está resolvida a transação, não preciso de um cartão de crédito, de uma operadora de cartão. Só que ele fica com um espaço bem pequenininho. O uso do dinheiro em papel também vai ficar cada vez menor.
O destino do dinheiro em papel será o mesmo do cheque?
O mesmo do cheque. Cada vez menor, menor, menor. Assim como o boleto. O boleto está desaparecendo, está sendo substituído por Pix. Então, você vai ter cada vez menos dinheiro transacionando entre as pessoas, porque estaremos com celulares na mão, transferindo dinheiro um para o outro automaticamente. Olha como é mais seguro andar com o celular do que com dinheiro. Se você botar limite no que pode fazer em transação de conta, te dá essa segurança. Estou há quatro anos tentando viver sem dinheiro físico. Só no celular, só no relógio inteligente. O dinheiro físico vai acabar desaparecendo, ou quase desaparecendo, igual ao cheque. Vai ser raro você ver alguém com notas e moedas e fazendo pagamento, mas temos um caminho até lá.
Nesse caminho, há ainda falta de confiança. As pessoas que não aderiram ao Pix têm medo. O tempo fará as pessoas conquistarem essa confiança? Ou será a falta de outras opções para pagamento?
Confiança é a base de economia, da transação financeira. Um lojista, para aceitar cartão, tem que confiar que a empresa de cartão vai pagar, porque o cliente pagou e ele não recebeu. Com o Pix, foi a mesma coisa. A gente começou essa história de você fazer uma chave do Pix, você botar seu celular, seu CPF ou um e-mail para pagar com o Pix, gerou uma desconfiança. As pessoas, com toda a novidade, precisam olhar com um pé na frente, um pé atrás. Eu sou da área de inovação financeira, mas acho que tem uma desconfiança sadia. Agora, o que aconteceu com o Pix? Quase toda a população usa. Logo no começo, a gente teve questões de segurança pública. O Pix é seguro, o Brasil não. Para implementar um sistema de pagamento instantâneo em um país que não é seguro, tem que entender como vai funcionar e fazer pequenos ajustes. Esses pequenos ajustes foram o limite de transação durante a madrugada, as instituições financeiras travarem movimentos grandes de uma conta que você nunca fez. Então, hoje, se você passar um Pix muito alto para uma pessoa que você nunca transacionou antes, o banco trava esse processo. E talvez tenha mais uma inteligência que a gente tem que ter: o meu celular é a minha nova carteira de dinheiro. Então, se eu estou com minhas contas do banco aqui e todo o meu dinheiro nas contas do banco aqui, e tem senha para tudo isso, e eu boto o dedo e destrava tudo, você saiu com todo o seu dinheiro na rua. E você não faria isso no mundo físico. Você não sairia com todo o seu dinheiro em uma carteira física. Então a ideia, talvez, é dizer assim: talvez eu, no meu celular, vou ter um banco, ou dois bancos, ou uma cooperativa de crédito, com dinheiro menor. Tem um amigo meu que falou que agora tem um celular velho como carteira. Ele iria jogar fora. Quando ele vai sair, sai com aquele celular com uma conta de banco cadastrada e pouco dinheiro. Para que, mesmo que se tiver problema, falar: está aqui, R$ 50, R$ 100.
Pix é uma realidade, mas se fala muito sobre uma moeda digital brasileira, oficial. É algo próximo?
Em inovação, a gente acha próximo dois anos. Então, vou dizer que é próximo. O que está acontecendo neste exato momento? A Federação das Associações dos Servidores está coordenando um laboratório junto com o Banco Central para criar essa moeda digital. A princípio, ela vai parecer muito Pix, essa transferência. Então, por exemplo. Vou dividir uma pizza com a Giane, pagar com ela, não vai fazer a diferença se eu estou pagando com um real Pix ou com um real digital. Mas, para alguns tipos de transações, essa moeda vai ser essencial. Se eu estou comprando um carro, aí fica aquela discussão: você me entrega o Documento Único de Transferência (DUT) ou eu te passo o dinheiro? Quem confia primeiro no outro, se a gente nunca conversou? Uma moeda digital, o real digital, ele cabe em algo que a gente vai chamar de "contrato inteligente". Eu não vou mandar o dinheiro direto para o dono do carro. Eu vou mandar dinheiro pra o contrato que diz que, na hora que o proprietário transferir o DUT, manda o dinheiro pra ele. O dono do veículo também não vai mandar o DUT direto pra mim. Ele vai dizer: "Manda o DUT por contrato. Na hora que o Rodrigo botar o dinheiro no contrato, transfere". E aí, essa transação vai acontecer junta. Quando a gente fala "junta", não está falando de diferença de um segundo, dez segundos, nem milésimo segundo. Ela acontece junto. Na mesma transação o dinheiro passa pro lado, o DUT passa pro outro.
Então quer dizer, não é para coisinha pequena, né? A pizza vamos continuar resolvendo com o Pix. Agora, se nós formos comprar um apartamento, que é preciso dar a chamada entrada. É disso que nós estamos falando? Que é mais pra grandes transações?
No começo vai ser, porque essa funcionalidade adicional é de poder fazer uma programação com aquele dinheiro. Você depositou o sinal, você tem mais uma semana, dez dias, trinta dias pra depositar o restante. Se você não depositar, o dinheiro volta. Com um real digital, essas transações são automáticas, você não precisa nem de um juiz para dizer o que vai acontecer. Mas talvez tenha alguma coisa bastante interessante. Uma prefeitura, com dificuldade de receber pagamento. Quando você olha para uma prefeitura, por exemplo, em um real digital eventualmente você pode ter, na hora que o cidadão faz a transação, o imposto é recolhido e depositado na conta do governo automaticamente. Então, essa ideia de que eu tenho uma moeda muito mais rápida e muito mais poderosa, num certo sentido. Eu posso programar e posso dizer: olha, fez o pagamento, ISS vai direto para essa conta.
Vai deixar mais difícil também a vida golpistas.
Muito mais. Porque a gente tem uma grande vantagem em uma moeda física. A nota você carrega com você, ela sua o tempo todo. A nota você não precisa dar explicação para ninguém. Você não precisa ir a banco, abrir conta e cobrar taxa. Em compensação, um dinheiro físico é tão anônimo, que você não sabe como e para que as pessoas estão usando.
Tem algo chegando já ao consumidor do Open Banking, que está sendo implantado? As pessoas têm receio de ver os dados compartilhados, receber ligação de telemarketing o tempo todo...
A boa notícia é que a gente não vai receber ligação o tempo todo porque a gente está compartilhando esses dados. Vamos lembrar que esses dados estão sendo compartilhados com instituições financeiras. Bancos, cooperativas de crédito. Elas são reguladas pelo Banco Central, e o sistema de segurança das instituições financeiras são os maiores do mundo, porque é dinheiro. Se você tem algum vazamento, é vazamento de dinheiro. Eu não quero o meu nome vazado, meu CPF vazado, eu não quero o dinheiro da minha conta vazado. O que está acontecendo com o Open Banking é que os bancos centrais do mundo inteiro dizem: "os dados que você tem no banco, não são do banco, são seus". Isso é maravilhoso. Porque se você fosse sair de um banco e ir para outro, pedir um empréstimo, tentar começar uma vida nova no banco, ele tinha que desconfiar de você. Ele fala: "olha, você não transaciona aqui, a primeira vez que eu te vi". Você poder pegar os seus dados e ter a chance de outro banco olhar isso, diminui a desconfiança entre a instituição financeira e você. E aí, ele pode te ofertar um produto melhor, um consórcio melhor, um empréstimo melhor, um cartão de crédito melhor. Você está precisando aumentar o seu crédito no cartão de crédito? Pega os seus dados do Open Banking, consente que o outro banco, outra cooperativa de crédito dê uma olhada nisso, e ele pode te ofertar. O que está vindo por aí é uma coisa muito bacana, com acúmulo desses dados, e com mais duas coisas importantes que estão acontecendo agora, eu vou destacar só mais importante, chamado encaminhador de proposta de crédito, nossa vida vai mudar. Você vai ter, nas instituições financeiras ou nesses encaminhadores de proposta de crédito, um lugar que você fala: "eu tô precisando de R$ 1 mil para completar meu mês." Esse encaminhador de proposta vai literalmente fazer isso: encaminhar essa proposta pra 100 instituições financeiras, 200, 300 bancos ao mesmo tempo, dizendo: está aqui o Rodrigo, o último ano do extrato dos bancos que ele tem. Está aqui o último ano do gasto dele de cartão de crédito, de boleto. Você quer emprestar esses R$ 1 mil para Rodrigo? E aí é uma inversão muito interessante. Eu vou ter 100 bancos, 200 bancos, 300 bancos disputando para me emprestar R$ 1 mil. A taxa vai baixar. Esse é um dos impactos que a gente vai ver com esse compartilhamento de dados e com essa figura nova que o Banco Central acabou de criar chamado "encaminhador de proposta de crédito".
Como você está muito envolvido em inovação, tem algo disruptivo para o futuro do sistema financeiro?
Eu eu acho que tem algumas coisas muito disruptivas acontecendo nesse momento. Uma já aconteceu, está na boca do povo. Chama bitcoin ou criptomoeda.
Que ainda é algo apavorante em termo de confiança...
Apavorante. E é estranho, socialmente estranho você falar assim: "mas quem emitiu essa moeda?" E a resposta é: ninguém. Um programa, uma pessoa que criou esse programa que ninguém nem sabe quem é, nem sabe se ela ainda existe ou não sabe se foram uma pessoa, duas ou 10. Tem uma moeda no mundo que foi emitida por ninguém, as pessoas toparam, e ela está valendo alguma coisa. Às vezes, ela vale muito dinheiro, às vezes ela vale pouco dinheiro. Mas tem uma coisa, um passo acima disso, que vai acontecer. Em inglês, o pessoal gosta de chamar isso de DeFi. "De" de descentralizado, "Fi" de finanças. São finanças descentralizadas. Você está pegando todo mundo financeiro, quebrando em pedaços bem pequenininhos, e está deixando as pessoas criarem produtos muito novos que não passam pelos bancos tradicionais. Eu posso pegar o meu apartamento, tokenizar, que é uma expressão engraçada que é criar uma versão digital do meu apartamento, e ela é válida, e agora vou fracionar esse meu apartamento em milhares de pedaços e dizendo assim: quem quer um pedacinho muito pequeno do meu apartamento? Para comprar esse apartamento? E eu posso vender isso não pra uma pessoa, não pra duas. Você imagina, você vendeu seu apartamento pra 327 pessoas? Isso pode acontecer. Não só a venda, mas o aluguel.
E por que alguém compraria essa fração?
Porque eu não tenho dinheiro pra pagar R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 500 mil, R$ 1,5 milhão num apartamento. Mas eu, talvez, tenha R$ 3 mil reais pra dar em uma fração de um apartamento e, a partir de agora, receber um pedacinho de aluguel. E aí o investimento fica muito maior. E aí tem muito mais gente primeiro querendo, e muito mais gente podendo participar desse processo. Então a ideia de finanças descentralizadas, a ideia de que você vai poder tokenizar, que é uma palavra engraçada, é criar uma versão digital de algo no mundo real, e a partir do momento que ela é digital, você faz praticamente tudo que você quiser com ela, e você pode descentralizar isso. Isso não passa necessariamente por uma instituição financeira tradicional. É para desconfiar um pouquinho no começo? É! Vai funcionar no futuro? Fica tranquilo. Vai funcionar no futuro.
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Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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