Minutos após o IBGE divulgar que a inflação oficial do Brasil fechou 2021 em 10,06%, primeira vez em dois dígitos desde 2015, o economista Alexandre Schwartsman conversou com o programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Ele falou sobre o índice e também sobre outros assuntos que envolvem a situação econômica e política. Confira:
Andressa Xavier - O índice confirma o que a gente viveu e sentiu em 2021. Mas teve gente, principalmente as famílias mais pobres, que sentiram mais. Como o senhor pode explicar essa diferença?
De uma maneira muito simples, o que acontece é que o IPCA, que é o índice oficial de inflação, usado como regime de metas do Banco Central, olha para o orçamento de uma família que ganha até 40 salários mínimos. Famílias que ganham até R$ 40 mil. É uma gama bastante ampla. Em particular, alimentação, que é um item muito pesado no orçamento de famílias com renda mais baixa, tem um peso um pouco menor no IPCA. Tem um índice irmão do IPCA, o INPC, que é basicamente o mesmo índice, só que é calculado para famílias que recebem até seis salários mínimos. Então, é uma diferença grande. Obviamente que no INPC a alimentação é muito mais pesada, e aí você sente mais, porque o aumento de preços no país foi particularmente pesado na parte da alimentação, pelo menos até meados do ano, no final nem tanto, e isso acaba fazendo uma diferença entre o que sai no número e o que as pessoas percebem. Cada família é diferente. Lembre que estamos falando de uma média das famílias.
Giane Guerra - O que preocupa é a disseminação da alta nos preços. Ela está muito influenciada, por exemplo, pela elevação de combustíveis e da energia elétrica, o que acaba tendo um impacto em cascata. Outro ponto é que temos uma retroalimentação, porque a inflação de 2021 entra pressionando 2022.
Acho que esse ponto é excelente. Você vê a porcentagem de itens dentro do IPCA que apresentaram aumento de preço. É a disseminação do aumento de preço. E ela tem sido muito alta. Tem ficado, desde agosto, teimosamente na casa de 65%, 70%. A observação de dezembro, propriamente dita, foi praticamente 75%. Ou seja, em dezembro, 3/4 dos componentes do IPCA subiram. Tem uma pressão de combustíveis no ano? Tem. Tem uma pressão de energia? Tem. Mas, na verdade, ela já se espalhou pelo resto, e, em particular, começou a pegar o setor de serviços, que não é um setor que usa, particularmente como insumo, nem tanto a questão do combustível e nem tanto a questão de energia. Obviamente usa, mas menos do que outros segmentos. O que mostra que essas pressões estão, de fato, disseminadas. O que significa que não será um problema tranquilo domar a inflação. Se fosse um problema pontual, única e exclusivamente alimento ou combustível, por mais que isso pesasse no orçamento, seria algo localizado e que vai, em algum momento, morrer. Como ela é disseminada, ela sugere que as pressões vão continuar com a gente. Projeções de inflação já para esse ano de 2022, embora estejam bem melhores do que 2021, mais ou menos metade, é 5%, acima da meta do Banco Central, que é 3,5%. Em particular, é no limite superior que o Banco Central pode acomodar. Tão cedo no ano, é uma coisa complicada. Corre o risco de o Banco Central ter que escrever outra carta para explicar porque perdeu a meta de 2022.
Rosane de Oliveira - Quando a gente vê as previsões de 5,25%, e começa o ano tendo esse resultado tão preocupante, e considerando que 2022 é ano eleitoral, tem uma série de pressões políticas que, às vezes, fogem de controle, dá para acreditar nessa meta? Ela é realista?
Com os elementos que a gente tem hoje, entre 5% e 5,5%, é realista. Mas o que você falou é correto. Tem uma turbulência eleitoral ali na frente que não vai ser tranquila. A gente vê, por exemplo, manifestações do ex-presidente Lula — que hoje é o favorito para ganhar a eleição de acordo com as pesquisas — e do entorno dele, falando que vai voltar atrás na reforma trabalhista, acabar com teto de gastos, presidente do partido dizendo que o programa não vai contemplar o "mimimi" do mercado. A gente viu um artigo horroroso do Guido Mantega que, apesar de todos os desastres, foi o escolhido para o partido para explicar qual é seu plano econômico. Todos vão olhar para isso e dizer "opa, desse jeito não vou ficar por aqui". Então a gente corre o risco de não ter o dólar em R$ 5,60, como ele está hoje. Podemos ver um dólar mais para a casa dos R$ 6, e aí bate na parte dos combustíveis, alimentação. Aí, corremos o risco de ter inflação mais alta. Então, 5,5% é o melhor número que a gente consegue prever agora, mas que há riscos, e eles são assimétricos. Há muito mais risco de ficar pra cima do que pra baixo disso. É uma realidade que a gente tem que aceitar.
Giane Guerra - É a primeira inflação de dois dígitos desde 2015. Naquele ano, a gente teve pressão de alimentos, pressão de combustíveis. É uma inflação semelhante a de 2021? Ou tem diferenças grandes?
Tem semelhanças, nem tanto na questão dos itens que pressionaram, mas da natureza do problema. Acho que a principal semelhança que existe por trás disso é uma percepção generalizada, e eu diria correta, de que o atual governo, como era o governo naquele momento, é incapaz de lidar com os desafios do país, em particular com os desafios na área das contas públicas. Lembrar que a ex-presidente Dilma tinha causado um estrago gigantesco nas contas públicas, aí tentou dar um cavalo de pau, mas não tinha, sequer, o apoio do próprio partido para fazer isso. Não é a toa que estava ali a presidente do partido, esses dias, colocando a culpa pela recessão de 2015 e 2016 no Joaquim Levy, como se a presidente da República fosse uma figura ingênua. Despreparada, sim. Ingênua, eu diria que não. Então, aquela percepção que tinha naquele momento, acho que ela está conosco hoje. Olha para o atual governo e vê que desse mato, não vai sair nenhum coelho no que diz respeito a ajuste fiscal. E quando a gente olha para frente, perspectiva de transição política de novo, esse é outro mato de onde, seguramente, nenhum coelho também há de sair. Acho que essa percepção que tem uma paralisia política que impede a resolução de problemas, e aí pressiona dólar, pressiona a inflação, nesse aspecto, as semelhanças são grandes. E também, um pouco da postura do Banco Central. O atual vem tentando corrigir de uma maneira acelerada. O Banco Central de 2014, 2015, que era conduzido pelo Alexandre Tombini, não conseguiu lidar. O do Roberto Campos Neto, pelo menos, está tentando fazer força. Então, a gente tem uma perspectiva de, talvez, uma correção mais rápida desse problema. Tanto que há uma perspectiva em redução expressiva da taxa da inflação em 2022, o que não tinha em 2015.
Rosane de Oliveira - Do ministro Paulo Guedes, o senhor ainda espera alguma coisa? Que correção de rumos o ministro deveria ter adotado e não adotou?
Na real, não espero nada. Mas, a meu favor, digo que nunca esperei nada do ministro Paulo Guedes. Eu não posso dizer que eu esteja decepcionado com ele, porque sempre o considerei muito mais um palestrante do que um economista, e é uma visão muito rasa de mundo. E a visão rasa de mundo dele não foi o único fator, mas colaborou para nos levar aqui. O que o ministro Paulo Guedes deveria ter feito? Ter levado à cabo as reformas sobre as quais ele papagueou muito, mas fez muito pouco a respeito. A gente não avançou nada na questão da reforma tributária, pelo contrário, a gente regrediu. A gente não avançou na reforma administrativa, na desvinculação do orçamento, na privatização, apesar de toda a conversa a esse respeito. Para menor surpresa, porque eu conheço o ministro, não tinha capacidade, o presidente da República não queria, mas esse era o caminho. O caminho era ter feito as reformas, por mais que tivessem sido anos difíceis por conta da epidemia, a verdade é que não tinha nenhum problema elevar pontualmente os gastos, como foi feito para sustentar a população no momento de pandemia, ao mesmo tempo encaminhar reformas. Mas só se fez a parte fácil. A parte difícil não se fez. Quando veio a eleição do Arthur Lira para presidência de Câmara, um monte de gente falou "agora as reformas vão avançar". Não avançou nem um centímetro. É isso, faltou capacidade de formulação, de articulação, vontade. O que não faltou foi gogó. Gogó tivemos aos montes. Ação, que é bom, a gente não teve nada.
Giane Guerra - Em relação à política monetária. O senhor estava falando sobre a decisão do Banco Central para controlar a inflação, aumentando a taxa de juros Selic. Parece que é uma coisa tão longe, mas está aumentando o juro de quem pegou empréstimo pelo Pronampe, do financiamento imobiliário, do rotativo do cartão de crédito. Com essa inflação que tivemos agora, qual sua previsão para condução da política monetária? Elevação para taxa de juro ao longo de todo o 2022? E quando termina esse ciclo?
Acho que o ciclo de aperto vai até uns 12%. É um pouco acima do consenso. O consenso está em 11,75%. A gente sobe juro provavelmente em fevereiro, março e maio, se não me engano, seria o ponto final, e se vai manter essa taxa de juros inalterada durante boa parte de 2022. Se materializarem as turbulências políticas, pode ser que o Banco Central não consiga achar espaço para reduzir taxa de juros. Tem uma certa esperança que se consiga começar um processo de redução da taxa de juros ainda em 2022. Eu não vejo isso acontecendo. Vai ser em 2023, se a gente conseguir encaminhar uma solução política que, em algum momento, enderece a questão fiscal. Eu, particularmente, não estou muito otimista em relação a esse respeito, não.
Rosane de Oliveira - Voltando a falar sobre eleição. Eu noto que o senhor tem preocupação muito grande com a possibilidade do mato atual não sair coelho e do mato do favorito não sair coelho em matéria de reformas. O senhor acredita que a terceira via tem possibilidade de prosperar no Brasil?
Eu acho muito difícil uma terceira via se viabilizar no país no atual quadro de polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula. Eu noto que o próprio PT tem manobrado no sentido de polarizar cada vez mais. De fato, talvez, até energizar a base do atual presidente para garantir que ele esteja no segundo turno. Sempre foi o plano deles. No caso, errou em 2018, mas tem alguns que são sinceros suficientes. Eles sempre quiseram ir para o segundo turno com Bolsonaro. Em 2018, perderam. Se for em 2022, vão ganhar. Acho que eles vão voltar com unhas e dentes para garantir o status quo. Se isso envolve falar todas as barbaridades que forem necessárias para garantir que a extrema direita permaneça firme e unida atrás do Bolsonaro e não migre para uma terceira via, acho que é exatamente isso que a gente vai ver. O meu otimismo bem informado, que se traduz nessa percepção não muito rosa da realidade brasileira, é que eu acho que a gente não tem, me parece, uma terceira via em condições de se tornar eleitoralmente viável no país. A gente vai ter que viver com esses dois matos, mesmo, onde a escassez de coelho é um fato da vida.
Rosane de Oliveira - A possível entrada do Geraldo Alckmin na chapa do ex-presidente Lula, o senhor acredita que daria um pouco mais o equilíbrio dessa visão de "nem tanto ao mar, nem tanto à terra"?
Não, não acho. Primeiro, porque vice não apita. Vamos lembrar que o vice do primeiro mandato era um empresário. O vice da Dilma era o Temer, uma figura conservadora, e não impediu que a presidente fizesse tudo o que fez. Eu acho que dá uma dourada na pílula, mas a minha impressão sobre um potencial novo governo do presidente Lula é primeiro o que eles querem, e segundo o que eles conseguem fazer. Tem muita gente com esperança de que um governo Lula eventualmente volte a ser aquilo que foi no primeiro mandato, com Palocci. Eu sou suspeito, eu participei do primeiro mandato do governo Lula no Banco Central. Mas enfim, a expectativa é essa. Acho que, primeiro, não é a cabeça que está predominando no PT neste exato momento. Segundo, as condições objetivas são muito diferentes. Apesar de todo discurso à época de herança maldita, o fato é que uma série de menções, o presidente Lula herdou um país ajustadinho, com as contas públicas em ordem. Tinha uma inflação alta, mas era muito pelo receio do próprio Lula. A partir do momento que eles mostraram que sabiam de comer de garfo e faca e que iam manter as contas públicas em ordem, fez a reforma da previdência, o dólar e a inflação despencaram na esteira. Era uma situação bem mais ajustada do que a situação que a gente vive hoje. Quem entrar hoje, vai encontrar uma casa muito desarrumada. Vai ter que fazer, gastar o seu capital político, para colocar a casa em ordem. Eu não vejo o menor desejo do presidente Lula de descascar esse abacaxi. Então, eles não querem, e se quisessem, não conseguiriam fazer. Acho que eles vão exatamente para aquilo que está entre o time deles de formuladores de política econômica, se é que podemos chamar de time, e se é que podemos chamar de política econômica. Vai ser uma porcaria.
Giane Guerra - E sobre o dólar? Eu sei que é difícil projetar dólar. Projeções são revistas com frequência, que ele foi criado para enlouquecer economistas, estou sabendo. Mas qual a sua projeção para o dólar? Porque disparou, não cedeu, não dá sinais de ceder, e nós temos a influência da política monetária dos Estados Unidos que vai pressionar os países emergentes e o câmbio também.
Excelente ponto. Acho que lá fora, já está mais ou menos dado que tem três aumentos de taxa de juros nos Estados Unidos em 2022. Acho que o risco é de ter um quarto aumento talvez. Ou um aumento mais rápido. A minha visão para dólar é de R$ 5,60 para cima, e não para baixo. Obviamente eu não sei prever dólar. Se eu soubesse prever dólar, vamos falar a verdade, eu não estaria aqui, estaria vivendo em uma ilha do Pacífico, porque eu seria riquíssimo e não teria mais que trabalhar. Mas a minha percepção a esse respeito é um dólar mais para casa dos R$ 5,80, R$ 5,90 no final do ano. Daqui um ano, a gente conversa e vemos se sou um pessimista ou otimista bem informado. Ou pior, um otimista mal informado.
Ouça a entrevista para o programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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