Os supermercados sentem a perda do poder de compra dos consumidores com a alta da inflação. E mais, eles estão mudando o comportamento de consumo. Os assuntos foram pauta da entrevista do presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, ao programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha). Confira:
Quem tem que "rebolar" mais para driblar a alta de custos? O consumidor ou o supermercado?
O consumidor faz a movimentação, faz os setores serem eficientes ou não. Infelizmente, quem está em grande dificuldade, com certeza, é o consumidor, mas as empresas vão se adequando a ele, que vem mudando de comportamento. Nesses dois anos de pandemia, aconteceu muita coisa, mudaram diversas etapas do comportamento. Não voltou ainda a vontade do cliente de passear no supermercado, como era há dois anos. Claro que eles têm a necessidade de ser notados, olhar no olho, mas eles têm muita pressa. Já vêm decididos, com a lista, com as marcas, em busca das ofertas. Ele tem de 10 a 15 segundos para escolher o seu produto.
E esse tempo é menor do que era antes?
É bem menor. Nós recebíamos, antes, mais de 4 milhões de gaúchos todos os dias nos supermercados. Durante a pandemia, baixou para 2,5 milhões. Agora, está entre 3 milhões e 3,5 milhões de gaúchos por dia nas lojas. Mas as pessoas vêm com muita pressa, já decididas. Elas querem um setor que identifique as ofertas, as vantagens, a precificação, o que está em promoção. Se a loja enrolar um pouco, esconder o produto, a resposta não vem.
Veja a entrevista em vídeo:
Isso não acaba estimulando as lojas menores?
Isso é uma tendência, as lojas da proximidade. Por isso que grandes grupos também estão querendo ir para os bairros. Hoje, o teu local de compra é aquele que está entre a tua residência e teu local de trabalho. Só que o cliente para naquele que for mais eficiente. O setor hoje tem o pão já embalado, mudaram diversos perfis. O cliente está querendo novamente a degustação, mas não estamos estimulando o setor ainda, porque sabemos da nossa responsabilidade, que o risco de contágio ainda é grande, e continuamos com os procedimentos, com as regras de distanciamento.
E a venda online?
Esse canal aumentou três, quatro vezes. Hoje, praticamente todos os supermercados estão ligados à alguma plataforma, um marketplace. Mas a venda aqui no Estado fica entre 2% a 5%. Não tem nenhuma empresa que tenha mais de 5% no comércio eletrônico, porque o cliente ainda quer escolher o pão, alface, fruta e carne. As pessoas têm essa necessidade do contato, de serem atendidas, de receber uma atenção. Eu sempre acreditei que a venda presencial nunca será inferior a 80%, por mais tecnologia que se tenha.
O legal é ter opção, não? Se a semana estiver corrida, posso comprar pela internet..
Com certeza. E mesmo que você tenha preferência de presencial, sempre vai ter um momento em que tu não pode sair. Se tu estiver sozinha com teu filho, precisa de uma fralda, não vai deixá-lo. Então, o setor se organizou para isso. As empresas têm que ter esse canal, essa opção.
E sobre o impacto da renda do consumidor, que está sendo corroída por inflação e preços administrados?
Esse país não é para amador. Só os brasileiros entendem os brasileiros. Por isso que as empresas locais conseguem viver essa dificuldade. Se você pegar o preço médio do item vendido no supermercado, ele está sempre alinhado com IPCA. Se você pegar o item médio em março, abril desse ano, estava em 5%. Não estou dizendo que a inflação era 5%, mas era a renda disponível do consumidor. Aí os dissídios em março, abril, ficaram nesse patamar de 5%. Então, realmente, o cliente tem essa restrição da renda. Só que hoje, o preço médio está em 10%. Em março, abril, estava 5%, depois passou para 6%, 7% e agora está em 10%. Mas um IGP-M que estava em 31% agora caiu para 21%. O IPCA é o dinheiro que o consumidor tem no bolso. Ele migrou de marca, mudou o perfil de consumo, mas tem um limite, que, infelizmente, esgotou . Então, ele conseguiu migrar do bovino para o frango, do frango para o suíno, do suíno para o ovo, do ovo para batata, da batata para waffle. Infelizmente, tem pessoas que ficam no pacote de biscoito. São diversos mundos, hábitos, que tem no supermercado.
Grandes empresas de proteína animal estão investindo mais em suas fábricas de embutidos, que são mais baratos...
É. Porque o teu sanduíche pode ter um queijo gorgonzola e presunto parma. Aí, tu vai do parma para o presunto. Do gorgonzola para o queijo. Do presunto para mortadela. Quando tu vê, estás com pão. O consumidor tem renda, ele quer garantir comida. Tive um caso de um lugar que fez oferta de biscoito waffle a R$ 0,99. Entrou um cidadão, tinha R$ 10, levou 10 pacotes de biscoito e falou que garantiu a refeição das crianças por uma semana. A pessoa, quanto menor a renda, mais preocupação em garantir comida. Não estou falando da qualidade dos produtos, mas, infelizmente, as pessoas vão conforme sua renda. Qualquer aumento de imposto, um dissídio menor do que inflação, é menos consumo. A realidade é essa. E tem ainda muitas lojas abrindo, concorrência grande. Neste ano, o setor já está com mais de 5,5 mil supermercados no Estado. A concorrência proporciona um momento ideal para o cliente, porque tem muita gente querendo vender para as mesmas pessoas.
Mas desacelerou esta abertura de lojas, não?
É, nos últimos 60 dias amenizou um pouco, mas o setor, nos últimos 12 meses, abriu muita loja. Não são todas que vão ficar consolidadas, isso é certo. Abrindo muitas lojas, umas próximas as outras. E abrindo com uma expectativa de renda, e a renda está diminuindo. E em um país que não é para amador.
Projeções são feitas para serem revisadas. Mas o que podemos projetar para 2022?
Essa bola de cristal, infelizmente ninguém tem. Eu vejo que é um país muito difícil. Já tivemos muitos choques, experiências que deveríamos ter mudado. Mas, realmente, tem muito político bom, consciente, mas a diminuição do tamanho... Sabemos que o governo ainda vai ser teu grande sócio. A tributação ultrapassou de 45% de tudo o que você consome. Isso faz sermos mais eficientes e o consumidor, exigente. Isso requer muita qualificação do nosso setor. Ainda existe muita quebra e desperdício.
Ano que vem ainda tem eleições, o que complica. O nosso patamar do dólar também se deve à instabilidade interna.
A realidade é que todos nós empobrecemos. Na hora que você tem essa situação cambial atual, não adianta, empobrecemos. É certo que vamos comer menos, pagar mais pelas coisas. Pega o trigo, a farinha de trigo. Os grandes conseguiram segurar o preço. Com IGP-M a 30% e o IPCA a 5%, os grandes players estavam com produtos estocados, estavam usando o custo médio. Só que chega uma hora que não tem mais o que segurar, não consegue mais repor estoque. A realidade é essa. A indústria está sempre lançando muito produto, as empresas locais, os fornecedores regionais são os grandes vencedores, que conseguem manter as multinacionais também em um patamar mais abaixo. Todo mundo tem que aplaudir a eficiência da nossa indústria, porque tem compromisso com a região, com o local. Eles conseguem trazer os preços dos grandes grupos para nossa realidade. Uma multinacional, hoje, tem que realinhar tudo conforme exigência de um investidor, de um acionista, da situação cambial... Estão dando prejuízo. Com certeza, os investidores lá fora não estão contentes com qualquer grande multinacional que tenha atuação aqui, em função dessa concorrência acirrada que tem da indústria local e do varejo. Estamos em um lago quase seco, e os peixinhos estão com a boca para fora, querendo vender, absorver o que está sobrando do mercado.
Projeção é difícil, né?
Estamos no varejo. Vamos dormir depois que todas lojas fecham. Faz a avaliação do dia e acorda duas horas antes de abrir as lojas. O planejamento hoje é para 24 horas, para saber o vai acontecer no dia, o que tu vai inovar no dia.
Ouça também no programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha):
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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