Em tempos difíceis e até menos complicados do que agora, noticiar que temos deflação ou inflação baixa gera muitas contestações por parte dos leitores. São questionamentos compreensíveis e, por isso, sempre tento aprofundar o assunto. Isso está acontecendo agora com a notícia de que o IBGE identificou em junho deflação pelo quarto mês consecutivo na região metropolitana de Porto Alegre. Mesmo que no texto eu chegue até a alertar que o país já tem inflação porque gasolina e alimentos voltaram a ter alta.
A inflação ou deflação é apontada por um índice, que é calculado pelo IBGE, mas também pela Fundação Getúlio Vargas e até UFRGS aqui no Rio Grande do Sul. Que bom que temos várias instituições monitorando os preços e nos munindo de indicadores que possam ser comparados. Relaciono até mesmo com a cesta básica divulgada mensalmente pelo IBGE e com minha própria experiência de quem faz as compras da casa. Há nem tanto tempo atrás, a Argentina proibia a divulgação de índices de inflação que não fossem os do próprio governo.
Os institutos têm uma metodologia que considera o perfil de consumo médio do brasileiro e que é atualizado periodicamente. Cada item tem um peso no cálculo da inflação que reflete o peso que ele tem nos gastos dessa família padrão. Uma alta de 2% no preço da gasolina pesa mais do que um aumento de 10% no caderno. E é isso mesmo, a inflação não considera apenas alimentos. Alguns índices pesquisam até mesmo o preço do cigarro porque ele é um item com o qual muitas famílias ainda gastam bastante. E limão, por exemplo, nem sempre entra na inflação de Porto Alegre. Aqui, entra o feijão preto. No Sudeste do país, pesquisam o feijão carioca.
Pessoal costuma questionar como temos deflação se "tudo sobe no súper". O leite realmente andou subindo bem nas últimas semanas. Paguei quase 40 centavos a mais pelo litro na última compra. Mas em março, no início da pandemia, cheguei a pagar 50 centavos mais caro do que agora. E, na época, a coluna até questionou se havia mesmo motivo para tamanha elevação.
Mas estou pagando menos de R$ 2 pelo quilo da banana e menos de R$ 2 pela laranja. Come-se muito disso aqui nessa casa. Costumo dizer que temos a inflação da banana aqui, sendo que consumimos quase cinco quilos por semana. Ainda mais com as crianças em casa. Achei até mesmo bergamota ponkan esses dias por 99 centavos o quilo. O moranga cabotiá está barata também e rende muito.
A carne subiu, mas estamos driblando por aqui. Fico de olho nos anúncios dos supermercados durante a semana nos nossos jornais. Volta e meia, tem promoção boa. Coxa e sobrecoxa de frango a R$ 4,79 o quilo foi uma pechincha que achei esses dias. E assim vou fazendo minha inflação pessoal.
Em tempo: Não, eu não tenho empregada
Mas voltando ao que está puxando a deflação ainda, apesar da alta da gasolina e de alguns alimentos. São os serviços, por exemplo. A manicure e o eletricista estão com pouca clientela, sem espaço para aumentar preços mesmo pagando mais pela gasolina. Em alguns casos, reduzindo para facilitar para o cliente que perdeu renda. É o que chamamos de "deflação de demanda", um sinal bastante claro da intensidade da crise.
E outra pressão relevante para baixo no índice preços: educação. Agora, vou até antecipar a coluna que estava preparando para a semana que vem. Diversas escolas, creches e até universidades reduziram mensalidades e matrículas para manter seus alunos e reduzir a inadimplência. Descontos que vão de 5% a 30%, conforme já pesquisou a coluna. Isso tem um peso significativo para o orçamento das famílias e também no cálculo da inflação, portanto. Não é comum ter movimentação de valores nesta época do ano, já que se concentra em janeiro e fevereiro, e muito menos redução.
Para pegar números arrendondados, vamos considerar uma mensalidade de R$ 1 mil. Tem muitos que pagam mais do que isso e tantos outros que pagam menos, mas vamos simular pela média. Se o desconto é de 30%, ela cai para R$ 700. Os R$ 300 que a família não paga na mensalidade dão para uma boa compra de supermercado e representam um alívio importante para bastante gente, mesmo que longe ainda de resolver a situação financeira. Sabemos disso.
Ainda assim, reforço a ponderação que tenho feito sobre a alta dos alimentos. Ela afeta mais as famílias de baixa renda. A comida pesa menos no orçamento dos ricos do que dos pobres. Desprotege os mais vulneráveis, que já são aqueles com mais dificuldade de tomar empréstimos para seu pequeno negócio e de manter a renda considerando que muitos são informais. Fatores que só ampliam o abismo social.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
Leia aqui outras notícias da colunista