Uma notícia que saiu à noite passada animou a comunidade científica e também o mercado financeiro. Foi publicado um relatório da Gilead Sciences informando que um dos medicamentos fabricados pela biofarmacêutica mostrou resultados promissores no tratamento de pacientes com covid-19. É um remédio experimental de remdesivir. Os mercados futuros dos Estados Unidos tiveram um salto, as bolsas asiáticas fecham em alta e, na Europa, as valorizações superam 3% neste início de manhã. As ações da Gilead chegaram a disparar 16%.
Em um hospital de Chicago (EUA), o tratamento em 113 pacientes em estado grave trouxe resultados rápidos de recuperação. Dois deles morreram. Os testes estão em curso e uma parte importante do estudo deve ser finalizada ainda em abril, com aplicações mais complexas do tratamento e que trazem segurança maior de uso. Na semana passada, o New England Journal of Medicine publicou análise apontando melhora clínica de pacientes tratados com o medicamento.
Sempre ponderado em relação a tratamentos contra o coronavírus, como a cloroquina, o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e professor da Feevale, Fernando Spilki, vê positivamente o remdesivir, criado para tratar o ebola:
- Já está dando certo em outros locais. É um antiviral, combinado com terapêutica anti-inflamatória.
E o especialista, que integra um comitê de estudos do coronavírus no Ministério da Ciência, complementa:
- O remdesivir é um antiviral que já foi inclusive testado antes para outros betacoronavirus, já havia demonstrado eficácia em testes para MERS em macacos. Não é surpresa que estava apresentando bons resultados pra SARS-CoV-2. Também tem evoluído o conhecimento dos mecanismos que levam à forma crítica da COVID-19 e o manejo da resposta inflamatória parece ser outro elemento importante nesses casos. Mas tudo isso ainda precisa de mais estudos e, para isso, estão sendo testados diferentes fármacos, em diferentes estágios da doença.
Spilki defende que o ensaios clínicos precisam ainda ganhar escala para demonstrar de fato eficácia. Ainda assim, reforça que a droga já tem um histórico promissor no tratamento da infecção desse grupo de vírus in vitro e em modelos experimentais.
- É a mesma coisa que foi proposta essa semana pelo Ministério da Ciência para a medicação que será tratada no Brasil. Precisa de testes confiáveis, de larga escala, randomizado. Aí, vai se poder confiar completamente.
A coluna também questionou Spilki sobre os efeitos colaterais, já que essa é a ponderação mais forte feita atualmente contra a cloroquina:
- É difícil comparar. Primeiro, porque ainda são estudos com poucos pacientes, o desenho varia e muitos pacientes têm comorbidades. Mas no estudo feito em Manaus (AM) pela rede brasileira CloroCovid-19, os efeitos colaterais graves ocorreram dependendo da dosagem - informa o presidente da SBV.
Um gaúcho também estuda o remdesivir na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos. Natural de Bagé, na campanha gaúcha, André Kalil lidera o ensaio clínico considerado mais promissor para a cura do covid-19. Financiado pelo governo norte-americano por meio do National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde), o pesquisador deu início aos testes em fevereiro em um paciente dos Estados Unidos. Em entrevista naquele mês a GaúchaZH, o infectologista projetava ter o medicamento antes do fim do que, na época, ainda era uma epidemia, já que a pandemia foi declarada apenas em março pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
- Esse estudo com uso do remdesivir teve aprovação para realização em tempo recorde no FDA (Food and Drug Administration), agência federal dos Estados Unidos, e está em fase avançada, a fase 3. Parece o mais animador, cientificamente adequado e mais avançado em testes. Se os resultados forem bons mesmo, anima muito por ser a terapia antes das vacinas, que em breve chegarão também - analisa Wagner Salaverry, sócio da Quantitas Asset, gestora de fundos de Porto Alegre, sobre o impacto do relatório no mercado financeiro.
Outros motivos para otimismo de investidores
Há ainda outros motivos que animam os mercados. Um deles é a fala do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, indicando já como será a reabertura da economia norte-americana, como já vem também sendo sinalizado por autoridades da Europa.
Além disso, apesar de forte, a queda de 6,8% no PIB da China ainda ficou longe dos 10% de recuo que eram projetados por alguns analistas. Também a produção da indústria chinesa em março caiu 1,1%, ou seja, com bem menos intensidade do que se esperava. A China reabriu fábricas, lojas e outras empresas, mas ainda deve levar meses para que a atividade retorne ao ritmo normal de produção já que o consumo segue reprimido. Tanto entre os chineses quanto no resto do mundo que importa produtos do país.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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