Algumas de nossas façanhas de agora já não servem de "modelo a toda terra", como cantamos no Hino Rio-Grandense. Quando Eduardo Leite assumiu o governo, neste 2019, a juventude de seus 33 anos fazia esperar atos concretos e de visão moderna para nos libertar do marasmo e inércia de seus imediatos antecessores no Piratini.
Mas a visão de atraso continua. Míopes, vamos rumo à cegueira. Preservar a vida é a atividade fundamental dos governos e de todos nós, mas seguimos desdenhando o essencial – o meio ambiente, núcleo da vida. Seguimos surdos aos alertas da ciência, da ONU e do Papa.
Nosso atual Código Estadual de Meio Ambiente é modelo no país e no estrangeiro desde 2000. Elaborado ao longo de nove anos de debates, de fato é nossa grande façanha, copiada Brasil afora. Agora, porém, sob a alegação de "modernizá-lo", o governo quer anular a maioria dos pontos essenciais que preservam a saúde da natureza e, assim, de todos nós.
Mais grave ainda: o governador propõe mudar o Código em "regime de urgência", a ser votado em 30 dias pelo Legislativo. Nem os deputados nem a sociedade terão tempo para estudar as propostas. Assim, Eduardo Leite imita e repete ato de Sartori, que, em 2017, fez o Legislativo votar às pressas, sem debate concreto, a política do carvão mineral, que abriu portas ao horror da pretendida mina a céu aberto, junto ao Jacuí, a 12 quilômetros da Capital.
Agora, a proposta governamental chega ao absurdo de alterar conceitos adotados universalmente, como "área de preservação permanente", "unidade de conservação" e, até, a definição de Mata Atlântica. Numa visão tão infantil quanto torpe e perigosa, o projeto retira do Código Ambiental o conceito de "lençol freático" e outros fundamentais para proteger a vida.
Amontoando absurdos, o governo quer suprimir as visões de "recurso não renovável" e de "recurso natural", como se fosse possível plantar, colher e replantar água, por exemplo.
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É essencial esclarecer que essa decisão de entregar o meio ambiente à devastação predatória não partiu dos técnicos da Fundação Estadual do Meio Ambiente nem tem o apoio dos principais especialistas da Fepam.
Foi iniciativa do secretário estadual do Meio Ambiente, que o próprio Artur Lemos defendeu (em linhas gerais, sem detalhes) semanas atrás em reunião no Legislativo com prefeituras municipais.
Geólogos, biólogos, botânicos e outros técnicos e analistas ambientais da Fepam continuam a alertar para o perigo que a falsa "modernização" irá significar para o Rio Grande, o país e para a vida em si. Em carta aos deputados, a Associação dos Servidores e o sindicato dos funcionários da Fepam repudiam a proposta, pedindo que rejeitem a urgência de decidir às pressas, praticamente sem debates.
Só assim, a patranha não destruirá nossa maior façanha.