Ouvir e escutar a um sábio não nos faz igual a ele, mas nos desperta para a sabedoria que jogamos ao lixo todos os dias, como se desperdício fosse. Senti-me assim, integrado ao entendimento do mundo, ao ouvir Ailton Krenak, dias atrás no Theatro São Pedro, no "Porto Alegre em Cena".
Ao final, o aplauso de pé e unânime do público soou como agradecimento por tudo o que, ao longo de 95 minutos, ele ensinou sobre "o silêncio do mundo". Krenak não é apenas um líder indígena cujo nome revela a própria etnia, mas um pensador universal, um filósofo que parte do mundo concreto e nos faz ver muito além do visível.
Para ele, a abstração não é mero jogo de palavras, mas – sim – entender que "humanos" e "não humanos" são uma coisa só, que a vida na Terra é unidade indivisível. Ou que a rocha da montanha e a água dos rios têm vida como um planta ou como cada um de nós. Assim, foi fácil aprender que, quando parte da vida é exterminada (seja bicho, rio, rocha, oceano ou planta), é também o extermínio de todos nós.
Após a apresentação, ao abraçá-lo, indaguei há quanto tempo ele pensava assim, nessa unidade da vida: "Faz alguns séculos. Desde que Dom João VI nos perseguiu para se apoderar da riqueza do nosso solo", respondeu sem ironia, para mostrar que também a História (com H maiúsculo) é contínua.
No Brasil Colônia, a cobiça pelo ouro expulsou os Krenak do vale do Rio Doce, em Minas Gerais para Mato Grosso e Goiás. Em persistente luta, eles voltaram à terra natal. Mas em 2015, o rompimento das barragens das minas de Mariana devastou as terras e as águas do Rio Doce. "Hoje nos refugiados em nossa própria casa", disse-me Ailton Krenak.
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Antes, na palestra, ele havia frisado que, na cosmogonia indígena, o mito orienta tanto quanto a História, ou até mais.
A sociedade de consumo, porém, se esquece disto e, desprezando a natureza e a vida, transforma tudo em "recursos". Um rio – que é vida – vira "só recurso" a explorar e degradar, lembrou Krenak, que se mostra preocupado com a futura devastação do Jacuí e do Guaíba se for implantada a mina de carvão a céu aberto, a 10 km de Porto Alegre.
No recente livro "Ideias para adiar o fim do mundo", Krenak lembra que a humanidade se distancia do seu verdadeiro lugar "enquanto corporações espertalhonas tomam conta da Terra" e nos levam a viver em ambientes onde tudo é artificial, do ar à comida.
– Nosso tempo é especialista em criar ausências, dede o sentido de viver em sociedade à própria experiência de vida. É importante viver a experiência de circular pelo mundo, não como metáfora mas no sentido de contar uns com os outros – frisa este pensador que, descalço no palco do São Pedro, fez eco ao advertir sobre o silêncio que nos leva ao fim do mundo.