O muro, seja qual for, é sempre proteção. Contém a invasão das águas, desvia ventos e demarca territórios, resolvendo atritos e evitando disputas ou perseguições. Agora, no futuro governo, o muro será Moro.
Não é mero jogo de palavras, em que uma letra muda até o conteúdo. O juiz Sergio Moro tem condições de levar ao governo tudo aquilo que faltou à campanha do presidente eleito: diálogo, serenidade, isenção. E, até, substituir o palavreado de ódio (que incita à violência) pela busca da Justiça. Jamais, nem nos anos da ditadura implantada em 1964, a pregação de ódio e divisão entre os brasileiros foi oficializada pelo poder instituído. O terror próprio das ditaduras é que, na época, despencou como chuva das nuvens.
A campanha de Bolsonaro se estribou (como vimos) na linguagem violenta, com expressões e gestos de ódio. Foi sincero, mostrando quem era. Falava em Deus mas, com as mãos, imitava um fuzil. Terminou esfaqueado na rua por um louco e o crime absurdo o ajudou na vitória: ausente dos debates na TV, salvou-se de ser comparado aos demais candidatos.
Já eleito, na comemoração dos 30 anos da Constituição democrática, no Congresso em Brasília, posou para fotos imitando com as mãos um coração. Logo, voltou a fazer das mãos um fuzil, como na campanha eleitoral, tal qual este jornal mostrou na capa, dias atrás.
***
Os dois gestos opostos ("coração" e "fuzil") mostram o dualismo de um futuro bipolar? Ou é como Sérgio Moro explicou ao aceitar o ministério da Justiça? "O presidente eleito moderou o discurso e não vejo riscos para a democracia, nem possibilidade de perseguição política", disse, frisando que sua presença "tem o efeito salutar de afastar esses receios infundados".
No Congresso, Bolsonaro afirmou que seu "único Norte" será a Constituição e isto bastaria. Mas, na presença do presidente eleito, a procuradora-geral Raquel Dodge frisou que "não basta reverenciar a Constituição em atitude contemplativa, mas é preciso cumpri-la" e foi aplaudida, revelando a inquietação que Moro enfrentará desde agora.
Em 1990, nomeado ministro do Meio Ambiente, José Lutzenberger foi o fiador do governo Collor perante o mundo para sediar no Rio a Eco-92 e preparar a defesa da vida no planeta ao longo do século 21. Pouco antes da reunião, porém, foi demitido ao tentar acabar com a devastação da Amazônia.
Agora, como fiador de todos nós, Moro será o muro a preservar os fundamentos da vida em liberdade contidos na Constituição.