Devo a um amigo a melhor descrição da relação dos gaúchos com o chimarrão. Diz ele que gostamos de fingir que o mate é uma coisa prática, mas na verdade não é. Sempre deu um trabalhão passear com uma enorme mateira a tiracolo, levando cuia, bomba, erva e uma garrafa térmica cheia de água quente. Os gaúchos fazem qualquer sacrifício para terem seu chimas por perto.
Com o friozinho que andou fazendo no Rio Grande (e parece ter sumido por esses dias), voltei a tomar mate em casa. Havia no armário apenas uma erva, há meses vencida, já pálida e sem vida. Era triste de ver. Então, renovei o estoque. Chimarrão em tempos de pandemia exige uma adaptação importante: cada um deve tomar o seu, não se deve compartilhar a bomba e a cuia. É uma quebra e tanto no espírito da roda de chimas, mas é fundamental para evitar possível infecção por coronavírus.
Democrático, o chimarrão une frequentadores de CTG e amigos punk, tradicionalistas e modernos. Tem gaúcho que não gosta de dançar um vanerão, mas mate é difícil ver alguém que recuse. Defendo o direito de todo mundo inovar o quanto quiser — misturar com chá, acrescentar açúcar e por aí vai — desde que não venha me oferecer. Aceito no máximo umas lascas de gengibre, porque não há nada que fique ruim com gengibre. A erva-mate, gosto dela moída grossa. É bonito contemplar as diferentes partes das Ilex paraguariensis se acomodando aleatoriamente em um montinho na parte superior da cuia, criando uma escultura abstrata.
Obra de arte de verdade é a que Saint Clair Cemin criou para a Bienal do Mercosul de 2003 e foi instalada na rótula perto do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, em Porto Alegre. É a Supercuia. Antes de virar obra, a cuia de chimarrão já era uma maravilha do design, e digo isso sem ironia. Suas curvas são harmoniosas, e o conjunto é eficaz para a finalidade esperada.
Cada um faz o mate de um jeito, e há várias técnicas: algumas mais fáceis e outras que exigem intenso treinamento, causando alguma frustração. A medida do sucesso é não deixar a bomba entupir. Todos os gaúchos sabem disso, mas nem todos conseguem fazer. A pandemia é um bom momento para exercitar – individualmente, lembre-se – a filosofia do chimarrão.