Todo mundo deveria ter o direito de conhecer a música de João Gilberto antes de saber dos causos em torno de sua figura. Porque a música, convenhamos, é o que mais importa. Gosto das explicações técnicas sobre sua genialidade — a batida diferente que revolucionou o violão, o jeito vertiginoso de escandir os versos que torna impossível cantar junto — mas gosto ainda mais do que escreveu Caetano Veloso em uma letra: "Melhor do que o silêncio, só João".
Quando ouvi João pela primeira vez, eu era um adolescente fã de heavy metal que estava trocando a guitarra pelo violão e descobrindo a bossa nova com atraso de algumas décadas. João Gilberto foi meu guitar hero, ou melhor, meu herói do violão. Eu tinha começado a me interessar pela bossa nova quando vi Toquinho dedilhar uma canção de uma maneira incrível... no programa da Hebe. Pois é. A bossa nova sempre foi repleta de ases das cordas: havia Baden Powell e, claro, o pioneiro João Gilberto, que era um virtuose à sua maneira – não um velocista das notas, mas um harmonista e ritmista irrepreensível.
Muitos discos estavam fora de catálogo, então eu ia garimpando a bossa nova em LPs e CDs dos pais e tios dos amigos do colégio, assim como dos meus próprios pais, que tinham o maravilhoso LP O Poeta e o Violão (1975), de Toquinho e Vinicius de Moraes. Foi assim que chegou às minhas mãos uma coletânea em CD com registros de estúdio de João, que gravei em uma fita K7, como sempre fazia, para ouvir no walkman. Outros discos consegui comprar nas finadas lojas de CDs. Para os fãs de música brasileira, ouvir os mais importantes álbuns da nossa história sempre foi um gesto de fé, pois podiam ficar anos fora de catálogo. Se você os encontrava em alguma loja, tinha de comprar imediatamente para garantir.
Admiro todos os discos de João, mas as minhas interpretações preferidas são com voz e violão, sem acompanhamento de banda ou orquestra. Assim são alguns registros ao vivo e também o álbum de estúdio João Voz e Violão (2000), que trazia na capa um detalhe do rosto da Camila Pitanga com o indicador sobre o lábio, pedindo silêncio. Essa batida diferente gerou teses e mais teses, mas ninguém precisa de pós-graduação para ouvir João. Você pode simplesmente recostar e se entregar ao prazer da música.