Recentemente me vi em uma loja tentando escolher entre dois vinhos. Um deles tinha um selo estampando a nota 92, conferida por uma publicação especializada. O outro era nota 93. Costumo confiar nos especialistas, seja lá em que assunto for, mas esse nível de exatidão me intrigou.
O que significa um vinho ser 1% melhor do que outro? Quanto um consumidor deve estar disposto a pagar a mais por este modesto benefício? E, principalmente, como um crítico de vinhos, que é um ser humano e portanto está sujeito a imperfeições, consegue distinguir um vinho nota 92 de outro que é 93? Se ele fizesse novas degustações qualquer outro dia, chegaria às mesmas notas?
Depois de observar os preços de ambas as garrafas, optei por não comprar nenhuma, mas decidi ir a fundo na questão filosófica, quero dizer, matemática. Um dos mais interessantes autores de livros de divulgação científica, o físico americano Leonard Mlodinow dedica uma parte de O Andar do Bêbado (2008) à ciência da medição, o que inclui a velocidade dos carros captada por radares, a nota da redação de um aluno segundo seus professores ou a qualidade de um vinho conforme os especialistas.
O que Mlodinow explica é que a medição sempre traz algum nível de incerteza, mas isso raramente é debatido quando abordamos o assunto publicamente. Se a taxa de desemprego nacional registrada por uma agência governamental era de 4,8% e no mês seguinte passou a 4,7%, exemplifica o autor, não se pode concluir que o desemprego necessariamente diminuiu. A pequena variação pode ser apenas uma incerteza da medição, afinal, essa taxa sofre modificações a toda hora.
Em uma área subjetiva, como a classificação de vinhos, a coisa fica ainda mais complicada. Mlodinow cita estudos que mostram a dificuldade dos críticos em chegar a um consenso mesmo quando um deles degusta o mesmo vinho em diferentes contextos. O que dizer, então, quando um site especializado em música confere aos discos notas como 6.6 ou 8.4?
Normalmente, as publicações culturais contornam a subjetividade desse tipo de julgamento classificando discos, filmes e espetáculos com critérios mais genéricos, como uma escala de cinco estrelas. Qualquer um de nós, especialistas em cultura ou não, conseguimos opinar se um disco é ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo. Mas quando chegamos à precisão de dizer que um disco é 8.4 enquanto outro é 8.5, estamos fazendo uma distinção de qualidade ou apenas explicitando a imperfeição de nosso próprio julgamento?
Seja no vinho ou na cultura, preocupa a ideia que os especialistas estão passando para o público em geral: que se você não for capaz de conferir uma nota exata, talvez você não entenda tanto do assunto. Nesse caso, o público poderia responder para o especialista: e talvez você não tenha compreendido a incerteza das medições.