De volta ao Brasil desde terça-feira (25), Ronaldinho e Assis estão no Rio de Janeiro após 171 dias detidos no Paraguai. Na segunda-feira, o juiz Gustavo Amarilla permitiu o retorno dos irmãos, que pagaram multa de US$ 200 mil pelo uso de documentação falsa para entrar no país. Nada foi encontrado na investigação de uma suposta ligação com crimes de lavagem de dinheiro.
Os dois voltaram, mas no Paraguai o caso segue na pauta, em um escândalo que envolve políticos e questões que até agora não estão esclarecidas. Ao que parece, Ronaldinho foi a ponta de um iceberg em um esquema de passaportes falsos confeccionados dentro dos órgãos do governo. GZH teve acesso aos documentos do processo de investigação do Ministério Público, que mostram as perigosas ligações da empresária Dalia López com o poder.
Linha do tempo
Para entender melhor tudo que aconteceu, vamos voltar no ano de 2019. Durante o mês de outubro, o lobista brasileiro Wilmondes Sousa Lira, que já conhecia a paraguaia Dalia, procurou Assis e ofereceu a possibilidade de conseguir passaportes paraguaios para os irmãos Assis Moreira. O objetivo seria abrir empresas e fazer negócios no país. Nas semanas seguintes, Assis enviou por WhatsApp a documentação necessária para a confecção dos passaportes.
Em dezembro, Assis voltou a conversar com Lira para saber da situação. Em janeiro deste ano, Lira e sua esposa Paula levaram a empresária Dalia Lopez até o Rio de Janeiro, quando ela conheceu Assis e Ronaldinho. Foi a única vez em que se encontraram antes da viagem ao Paraguai.
Em fevereiro, Assis recebeu os passaportes. No dia 4 de março, ele e Ronaldinho desembarcam em Assunção para participar de dois eventos no país. Na chegada, foram levados para uma sala VIP por funcionários do aeroporto. Por recomendação de Dalia, utilizaram os passaportes.
Início da investigação
No guichê do aeroporto, uma policial verificou o documento. Quando o equipamento fez a leitura do passaporte, a luz verde foi acionada, dando a autorização para a entrada. Mesmo assim, ela desconfiou, pois não faria sentido Ronaldinho ter o passaporte paraguaio. Após digitar a numeração no sistema, percebeu que havia algo errado. Comunicou os seus superiores, mas recebeu a recomendação de permitir a entrada do ex-atleta para evitar uma confusão maior no local.
Durante o dia, Ronaldinho e Assis foram para o Hotel Yath Golf Club. Quando se preparavam para o jantar, policiais e integrantes do Ministério Público apareceram no quarto e comunicaram que os passaportes eram falsos. Após a apresentação dos documentos e das perguntas das autoridades, os irmãos se apresentaram na manhã seguinte para uma audiência. Ficou definido que cada um teria de pagar uma multa de US$ 10 mil.
Mas, na mesma noite, veio a surpresa: os promotores Marcelo Pecci e Osmar Legal pediram a prisão preventiva por até seis meses para uma investigação por suposta participação em crime de lavagem de dinheiro.
A partir daí, foram 171 dias detidos — 32 dias em um presídio e 139 dias em prisão domiciliar no Hotel Palmaroga. No final, a multa de US$ 200 mil e a liberação para voltar ao Brasil. O crime pelo uso de documentação falsa foi admitido desde o início. A indignação foi por todo este tempo de prisão sem qualquer comprovação de ligação com a suspeita de crime de lavagem de dinheiro, mesmo após a perícia nos telefones.
Sequência do caso
Após a saída de Ronaldinho e Assis, muita coisa começou a aparecer. Por exemplo, Paula Oliveira, esposa de Lira, tinha o mesmo passaporte falso dos irmãos Assis Moreira. Ela estava no Hotel Yatch Golf Club na noite em que os policiais fizeram a primeira abordagem. Paula fez pelo menos 12 viagens com a documentação falsa. No seu depoimento, responsabilizou Dalia. E mesmo assim foi liberada pelo Ministério Público para deixar o Paraguai. Ela não foi presa.
A investigação deixa claro os casos de corrupção no Departamento de Identificações da Polícia Nacional e na Direção Geral de Migrações. Ninguém entende no Paraguai como Dalia López, dona de empresas, algumas com atuação no sistema aeroportuário, está este tempo todo foragida. No dia 20 de setembro de 2019, ela participou de um evento oficial ao lado do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez. Outros casos de passaportes falsos não investigados estão vindo à tona, com adulterações dentro de órgãos do governo.
Estadia de Ronaldinho em Assunção
Ainda sobre Ronaldinho, algumas situações inusitadas ocorreram durante o período no Paraguai. Um pouco antes da prisão, apareceu uma oferta de saída do país via terrestre, o que foi imediatamente recusado. Na ocasião, o ex-jogador se mostrou firme ao sequer cogitar esta possibilidade.
Além disso, algumas pessoas apareceram oferecendo "soluções mágicas" para resolver o caso, pedindo propinas entre US$ 300 mil a US$ 1 milhão. Mais uma vez, nada disso foi levado adiante. Ronaldinho e Assis já deixaram o Paraguai, mas a questão dos passaportes falsos está longe de acabar.