Meu pai nunca me ensinou a jogar tênis – nem ping pong. Mas me ensinou a jogar pôquer – e até que me dei bem, desafiando os amigos na adolescência, “a dinheiro”, é claro. Meu pai também nunca me ensinou a jogar bola, até porque odiava futebol. Bom, mas se bola de sinuca conta, então ele até que tentou. Eu que não aprendi, e quase rasguei o feltro. Meu pai não foi, portanto, como o pai de Venus e Serena Willians – suposto herói do filme que vai levar Oscar. Meu pai também não foi como o pai de Neymar, que aparece mais do que o próprio num doc que também anda rolando por aí. Até porque, mesmo a contragosto, meu pai sempre pagou seus impostos.
Mas o fato é que num inesquecível sábado de outono, em 1970, meu pai me levou até a Livraria Aurora, de Sétimo e Eduardo Luizelle, no centro de Porto Alegre. Lá, me comprou a caixa com dez volumes das obras de Karl May. E mudou minha vida, mesmo sem ter me tornado um ás da bola ou da bolinha. Tenho a caixa até hoje, os livros com meu nome na folha de rosto e todos com as datas em que foram lidos: de 7 de março a 11 de março o primeiro volume de Winnetou; de 12 a 14 de março o segundo; de 15 a 16 de março o terceiro, sinal de que, capturado pelas aventuras do nobre cacique apache e de seu companheiro, o cowboy alemão Old Shatterhand, fui acelerando o ritmo. Devorei a caixa em cerca de um mês. Depois, li a segunda série e, na sequência, a terceira, menos emocionante.
Li aqueles 30 livros, como mais de cem mil brasileiros que também leram as três séries (as únicas que saíram no Brasil) antes de mim. As obras de Karl May, gigantesco sucesso editorial na Alemanha (mais de 70 milhões de exemplares vendidos), tornaram-se também sucesso gigantesco no Brasil. Graças a isso, a editora Globo, de Porto Alegre, pode publicar autores imensamente superiores a Karl May, que aliás nunca foi grande escritor – e ainda carregou a pecha de ser o favorito do medíocre Hitler. Só que certa vez entrevistei dez grandes editores brasileiros, perguntando-lhes quem eram seus personagens literários favoritos, e Winnetou recebeu três votos. Nada mal.
Quinto de 14 irmãos, filho de um tecelão falido, Karl May cresceu na miséria e logo aprendeu a mentir e a roubar. Acabou preso e escreveu boa parte de seus livros na cadeia. Nunca saiu da Alemanha, a não ser em sua prodigiosa imaginação. Morreu rico e deixou tudo para a fundação Karl May, que até hoje concede bolsas a escritores e jornalistas pobres (já houve momentos em que pensei em me candidatar). Karl May nasceu em 25 de fevereiro de 1842, há exatos 180 anos. Devo muito a ele.
Dentre outras coisas, devo a gratidão eterna a meu pai. Já que, ao contrário do próprio, sempre fui um fracasso em esportes nobres como pôquer e sinuca. E também nos mais baixos, como tênis e futebol.