Foi um desfile confuso, atribulado, beirando o patético. Vários militares que tomaram parte dele sequer estavam certos que se tratava de uma parada ou se era um movimento golpista. Até por isso, alguns dos que haviam sido convidados para presenciar a marcha não compareceram e dentre os políticos e ministros que a assistiram, instalou-se uma mistura pastosa de desassossego com desconforto. Ainda assim, e apesar do desacerto e da fumaça, o desfile foi em frente.
Claro que você sabe do que estou falando. Evidente que falo da parada militar que passou para a história com o nome de Proclamação da República, mas que na verdade foi uma quartelada um tanto bananeira, cujo desfecho poderia ter sido um tiro pela culatra, mergulhando a caserna em constrangimento. Mas foi o contrário, pois o embaraço acabou transferido para o restante da nação, que assistiu a tudo “bestializada, atônita, surpresa, sem conhecer o que significava”, como relatou uma testemunha ocular.
Mas, na verdade, não chega a ser surpresa que os “paisanos” e “casacas” – ou seja, nós, os civis – nada soubessem do que tramavam os “milicos”. Afinal, mesmo entre os soldados do 1º e do 9º Regimento de Cavalaria e do 2º Batalhão de Artilharia não havia certeza do que eles estavam fazendo ali, ao raiar do dia 15 de novembro de 1889, no campo de Santana, no Rio de Janeiro: se uma manobra, um desfile ou uma aventura golpista. Só ao cair da tarde daquele dia ficou claro que eles haviam ido até lá submeter-se ao império das circunstâncias e instalar a república dos fatos, derrubando o regime constitucional de D. Pedro II e mergulhando o Brasil em sua primeira ditadura militar.
A história escrita por linhas tortas pelos atrapalhados protagonistas do golpe de 1889 deixou inscrita na história política do Brasil o pressuposto de que um grupo de miliares insurretos pode arvorar-se a “salvar” a nação em seu nome. E embora para se lançarem em arroubos golpistas os quartéis invariavelmente precisem do apoio da elite, da Igreja e da imprensa, o precedente deflagrado por Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto acabaria por se repetir pelo menos três vezes (em 1937, em 1945 e em 1964, sem falar na tal “Revolução de 1930”) em menos de três décadas.
Embora a história costume se repetir como farsa e depois como tragédia, parece claro que, no presente momento, nem a elite, nem a Igreja e muito menos a imprensa apoiaram o desfile de tanques fumarentos e blindados caindo aos pedaços pela frente do Palácio do Planalto no último dia 10 de agosto, em Brasília. E mesmo que o povo continue “se mantendo estranho aos acontecimentos, sem alcançar o que significam” – como em 15 de novembro de 1889 –, já não vivemos na república de bananas nascida numa confusa quartelada há 130 anos. Ou vivemos?