Meu avô se chamava Augusto. Era uma pessoa, bem, uma pessoa augusta – e olímpica também (embora tivesse sido antes assíduo frequentador da Baixada). Augusto nasceu em Porto Alegre, em abril de 1900 – “ele acompanha o século”, dizia minha mãe, cada vez que o velho aniversariava. Nasceu em casa, na esquina da rua dos Moinhos de Vento (hoje 24 de outubro) com a praça Júlio de Castilhos. Quando tinha 12 anos, morreu-lhe o pai, cujo nome agora me escapa. Mas sei que meu pobre bisavô tinha tenros 33 anos ao partir dessa para pior. Mas pobre mesmo foi minha bisavó: os cunhados tomaram tudo da viúva. E assim, desamparada e sem teto, minha bisa alistou meu avô na Marinha, em 1913, como grumete.
Estudei sobre os grumetes – e os porretes e desgraças que recaíam sobre eles nas naus do século 16. Meus favoritos foram os cinco que desertaram da frota de Cabral e se deixaram ficar na Terra de Vera Cruz, “pelos dulcíssimos frutos que ela tem”. Meu avô também teve porretadas e desgraças, mas não desertou. Tanto é que, aos 17 anos, viu-se envolvido numa guerra mundial. Sim, em outubro de 1917, o Brasil declarou guerra à Alemanha e em janeiro de 1918, constituiu a sua Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), composta por dois cruzadores e quatro contra-torpedeiros. Augusto fazia parte da tripulação do cruzador Rio Grande do Sul. E a bordo dele zarpou em maio rumo a Dakar, no Senegal.
Após certas peripécias e alguns vexames que passaram para a história, a esquadra fundeou em Dakar a 25 de agosto de 1918. E lá, em uma semana, 464 marinheiros morreram – mas não vítimas da guerra. Foram mortos pela gripe espanhola. Meu avô sempre nos contava essa história. Ela era verdadeira, mas ele era um fabulador e como os netos, ao invés de incomodar, acomodavam-se para ouvir o conto, ele ia aumentando um ponto. À certa altura – ele narrou a história por anos a fio –, os únicos sobreviventes do cruzador viraram ele e (por motivos óbvios) o cozinheiro. Só que ao desembarcarem no Rio, em maio de 1919, meu avô e o mestre-cuca não encontraram paz: a cidade debatia-se contra o mesmo e insidioso inimigo, a bailarina da morte, a maldita Espanhola.
“Mas sabe que tinha gente que não acreditava?”, dizia Augusto. E a gente: “Que só tu e o cozinheiro tinham trazido o navio de volta para a casa?”. E ele: “Não, claro que não! Quem iria duvidar disso? Não acreditavam na gripe! Não queriam usar máscara! Tomavam remédios que não serviam para nada. E eu tinha visto Dakar inteira ir parar no hospital ou no cemitério”.
Para nós era mais fácil acreditar que meu avô havia comandado um cruzador sozinho do que uma gripe que pudesse matar. Mas as coisas mudam e as pessoas evoluem. Quer dizer, nem todas. E o pior é que os retardados põe em risco a esquadra inteira.