Desde o início, se trata de uma rua perigosa. Batizada de Estrada da Aldeia, conduzia do centro de Porto Alegre até a Aldeia dos Anjos (hoje Gravataí) onde, em cruel brutalismo, viviam confinados os guaranis sobreviventes à destruição das Missões. Depois que um tal Barbosa Mineiro ergueu seus moinhos de vento (na esquina com a atual Barros Cassal), ela passou a ser chamada de Estrada dos Moinhos. Mas em 1835, quando os farrapos sitiaram a capital e se puseram a bombardeá-la a partir do Guaíba, usando os moinhos para ajustar a mira de seus canhões, eles tiveram que ser derrubados. Foi um duplo brutalismo.
Após a derrota dos quixotescos farroupilhas, a rua continuou a ser a "dos Moinhos", embora eles não estivessem mais ali. A via só virou 24 de Outubro em 24 de outubro de 1933: foi uma comovente homenagem ao golpe militar de 24 de outubro de 1930, quando os milicianos e as cavalgaduras de Vargas marcharam até Rio de Janeiro exportando para o resto do Brasil seu gauchíssimo brutalismo. Nessa época, os figurões da sociedade – varguistas, quase todos – moravam em casarões na Rua dos Moinhos: A.J. Renner, Dal Molin, Aranha.
Depois que Vargas saiu da vida para entrar na história, JK assumiu e o Brasil passou a se modernizar, os casarões de 24 começaram a ser derrubados um a um. A mansão que ficava na altura do número 1.000, à sombra de um guapuruvu em flor, veio abaixo em 1963. Em seu lugar surgiu um elefante branco que eu, particularmente, sempre achei medonho. Mas é um monstrengo com grife: foi projetado pelo emérito David Libeskind, que já havia feito outro espigão famoso: o horrendo Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. O estilo arquitetônico do qual Libeskind (1928-2014) foi um expoente chama-se... brutalismo paulista.
O prédio que ele fez em Porto Alegre (aliás, se auto-plagiando, pois é cópia quase exata de um que fica em São Paulo) chama-se Floragê. Apesar do sabor francês, dizem que o nome provem das iniciais de três mulheres: Flora, Raquel e Geni. Conheço bem o prédio – e várias histórias dele – desde 1967. Conheço ainda melhor o guapuruvu que fica (ou devo dizer ficava?) em frente. Escrevi sobre ele aqui mesmo. Sábado passado, como GZH noticiou, tentaram derrubar a árvore. Por um de seus galhos ter caído, o guapuruvu foi condenado à morte pelos moradores do mausoléu marmorizado. Mobilização popular salvou-lhe ao menos o caule, embora o tronco com os braços amputados agora mais pareça um aleijume.
Não fui consultado, mas tinha uma singela sugestão para o caso: interditar a 24 de Outubro – que sempre foi uma rua perigosa – e derrubar o elefante branco. Como os guapuruvus só vivem cem anos e esse já tem uns 70, daqui a três décadas a rua reabriria. Já o prédio, não sei – ele sempre me pareceu um típico exemplar do brutalismo.