Sempre que a barra turva e o mundo volta a me enojar, busco refúgio no Antigo Egito. Tem sido assim desde criança: tabela de logaritmos? Prova de química inorgânica? Bullying no colégio? Grêmio garfado? Briga na família? Rolo com a namorada? Lá ia eu para meu quarto, genuína cripta repleta de hieróglifos, imagens de Hórus e Osíris e réplicas das pirâmides, sob a onipresença da máscara mortuária de Tutancâmon, meu rei-menino.
Um mundo solar, de crenças ancestrais e fé na humanidade.
Mas basta ler as notícias (e os comentários sobre elas na esgotosfera da internet) para que tal fé – que no meu caso, aliás, sempre foi tênue – se desvaneça de vez. A noite escura de Dias Toffoli, a mão peluda de Alexandre de Moraes, as milícias, os milicianos e aqueles que os elogiam, condecoram e empregam; o pai de Cai-Cai Jr (Cai-Cai Sênior?) recebido no Palácio do Planalto para tratar das fraudes ao fisco, o time que não recebe a taça de vice, o músico que leva 80 tiros "por engano", o desabamento real e moral na Muzema?
Voltemos logo ao Egito.
A pedra de Roseta, um bloco de granito com um metro de altura, 72 centímetros de largura e 750 quilos de peso, foi encontrada pelas tropas de Napoleão em julho de 1799, às margens do Nilo, na cidade de... Roseta. Era uma estela que continha um decreto religioso escrito em três versões: em grego, em egípcio e na "língua sagrada". Os ingleses expulsaram os franceses do Egito e confiscaram a pedra: até hoje ela se encontra no British Museum (lá já fui vê-la três vezes). Ironicamente, quem desvendou-lhe os enigmas foi um francês: Jean-François Champollion. Sabe que idade tinha ele quando decidiu dedicar-se a decifrar a charada? 16 anos. O grito de "eureca" ele pode soltá-lo em 14 de setembro de 1822 – uma semana após o grito do Ipiranga – quando, aos 32 anos, irrompeu na casa de seu irmão e urrou: "Entendi tudo". A seguir, desmaiou.
Diferentemente do que em geral se julga, a pedra de Roseta não foi a chave definitiva para a elucidação dos mistérios dos sagrados hieróglifos. Mas foi o que abriu as portas para que os segredos da mais remota – e, quiçá, a mais evoluída – das civilizações pudessem enfim ser estudados.
A pedra de Roseta comprova que, mesmo após terem sido (uma vez mais?) alvo da ira de um deus rancoroso, aos pés da Torre de Babel, os humanos continuaram se entendendo, fosse em grego, fosse na língua do P. Ou pelo menos assim as coisas se mantiveram até o advento do Facebook – "instrumento" que deu voz aos imbecis, cuja língua suja, cacofonia hidrófoba, hieróglifos sem sentido e "ideias" fora de lugar deveriam ser enfrentadas e combatidas.
Mas como os egípcios sempre louvaram a paz, estou pensando em recorrer aos assírios ou aos hititas (ou vá lá aos hicsos) para fazerem o serviço sujo. Se não funcionar, recorrerei ao STF. Aí, essa gente vai ver o que é bom para tosse.
Do alto de minhas pirâmides, 50 séculos me contemplam!