De todas as cidades que amo, e nas quais jamais estive, refulge uma em especial: é Alexandria, a capital informal do Mediterrâneo, a cidade multiforme, meio egípcia, meio grega, quase esfinge; ancestral e moderna numa só esquina – e isso desde que foi fundada, 331 anos antes da era cristã. Minha paixão, no entanto, não se deve apenas à mais extraordinária biblioteca que o mundo já conheceu – e que ardeu nas chamas da incúria e da estupidez. Não surgiu só por causa do farol – que também foi um farol do saber e acabou dando nome a todos os faróis que vieram depois.
E nem brotou só em virtude de Alexandre, o Grande, o maior de todos os conquistadores, tampouco de Cleópatra, a mulher capital. O que a princípio me levou a cair de amores pela mágica urbe foi O Quarteto de Alexandria, a tetralogia que o expatriado inglês Lawrence Durrell publicou em 1958, o ano em que nasci.
Li O Quarteto cedo demais para sequer roçar suas complexidades. Eu tinha 16 anos. O universo alexandrino de Durrell aliava uma sensualidade exuberante a uma espécie de ascetismo intelectual, e a cidade, segundo ele, era “uma anarquia da carne e da febre, do amor venal e do misticismo”. A pista para o labirinto já nos é dada nas primeiras linhas de Justine, o livro que abre a série: “Cinco raças, cinco línguas, uma dúzia de religiões, cinco frotas a cruzar as águas engorduradas do porto. Porém, há mais de cinco sexos, e apenas o grego demótico, que é a língua popular, parece querer discerni-los”.
Que diabos poderia eu entender?
Ciosa e zelosa de sua singularidade, branca e plana, mítica e inapreensível, Alexandria é três cidades numa: a cidade-farol que iluminou a Antiguidade, a Alexandria furiosamente cosmopolita, de 1860 a 1960, tão urbana e tão mundana, envolta num véu de dúbias veleidades e, é claro, a megalópole caótica e desfigurada de hoje. Mas Durrell escreveu: “Uma cidade torna-se um universo quando amamos um só de seus habitantes”. E eu amei Justine como amei no máximo meia dúzia de mulheres reais em minha vida toda. Justine é minha personagem feminina favorita da literatura: inesquecível, magnética, palpável.
E tal é meu amor por ela e por sua venerável cidade natal, que ando pensando em transferir minha embaixada para Alexandria. Talvez comece com um escritório comercial, para não fazer desabar sobre mim um muro de lamentações. Meus deuses pagãos habitam aquelas águas cálidas, aquelas areias sensuais, aquelas ruas tortas. E tenho certeza de que será bom para o meu país firmar acordo com um povo que tanto amo. “E quero que respeitam nossa decisão”, diria eu, parafraseando certo mandatário que, além de desgovernar, também assalta a gramática, sequestra a fonética, violenta a métrica e, é claro, falseia a História – a nossa e a do Oriente Médio, onde fica Alexandria e onde fica também a triplamente sagrada Jerusalém.
E não ousem me importunar. “Quero que me respeitam”.