Sim, eu sei que o Dia das Mães já passou faz quase um mês. Acontece que, desde 30 de maio de 1958, para mim todo dia é dia das mães. Meu analista disse que não vê nenhum problema nisso. Bom, falando sério, de olhos bem abertos e sem flerte edipiano: muita gente, incluindo meu analista imaginário, acha que falo demais na minha mãe. E eu acho que eles têm razão: volta e meia me pego contando histórias da velha. É que, para um fabulador como eu, ela era um manancial de causos e frases feitas – a maioria delas feita em casa. Brizola, por exemplo, era "o pequeno Nero da Praça da Matriz", para o qual ela pensava em enviar uma lira "para ele dedilhar enquanto Porto Alegre arde em chamas". Ao mesmo tempo – na verdade 10 anos depois –, definiu o general Geisel (esse que voltou a ser má notícia faz pouco) como "um frade de colégio interno que trocou a batina pelo uniforme".
Mas era para o senhor meu pai que ela reservava seu melhor: o "eterno ausente", uma espécie de "ímã para cafajestes" que sabia "o lugar de qualquer coisa, desde que ela não estivesse em casa". Quando os dois se separaram, ela chamou a mim e ao meu irmão para disparar seu julgamento final. A gente ficou torcendo para enfim ouvi-la proferir um palavrão. Ela nos encarou e disse: "Meninos, lamento informar, mas o pai de vocês é um..." – rufar de tambores, expectativa crescente – "um... periférico".
Beatriz marcou época em certos círculos porto-alegrenses. Pode perguntar por aí. Ela, bom, ela "ditava moda". Era versada em etiqueta e "recebia divinamente". Um amigo meu a apelidou de condessa arruinada. Fazia sentido. Meu pai faliu e minha mãe perdeu quase tudo – o mordomo Alaor, a engomadeira, a passadeira, a cozinheira, a copeira e o motorista. Mas, entre as coisas que ela manteve, uma delas foram as aparências. O charme e uma certa empáfia também sobreviveram.
Tem gente que me acha autocentrado, egocêntrico, falastrão e metido a besta. Mas também simpático, extrovertido e... falastrão. Acham isso porque não conheceram minha mãe. Ela, sim, era efusiva, entusiástica, rápida e meio doida. Mas só quando lhe convinha. Ela começou a fazer exercícios físicos antes de Jane Fonda. Virou natureba bem antes disso virar modismo. Ela nunca fumou, ela nunca bebeu, ela nunca perdeu o estilo. Quando meu coroa ficou duro, ela arregaçou as mangas (de cetim), ralou muito e refez sua vida. Foi uma das primeiras mulheres da "sociedade" a ir à luta. Tanto que, um dia, cheguei em casa, virado, e ela, de penhoar e pantufas com pompom, já estava ao telefone, antes das 7 da matina. Dizia: "Seu Antoninho, quando a morte se aproximar, vou mandar vir pela sua transportadora: não chega nunca".
Seu Antoninho deve ter incrementado seus serviços. A morte chegou cedo para minha mãe, lá se vão quase duas décadas, quando ela tinha míseros 67 anos. Bem que meu pai sempre disse que ela deveria ter bebido mais e feito menos exercícios.