O Kilmarnock Arms Hotel continua lá, onde sempre esteve, desde que foi inaugurado com pompa, em 1886, às margens da Cruden Bay, no norte da Escócia, para os lados do Lago Ness. E a maionese de caranguejo também segue em seu cardápio, mas parece que não voltou a desandar desde uma noite tempestuosa de julho de 1895.
Para dizer a verdade, não sei ao certo como estava o tempo naquela ocasião – mas sei o quão turbulenta e assustadora foi a noite nos sonhos de um ilustre hóspede do Kilmarnock, após a maionese de caranguejo estragada que ele ingeriu na ceia. O hóspede tinha quase 50 anos, era volumoso feito um urso e bom de garfo. Ele se chamava Bram Stoker. Até então, era conhecido apenas como o fiel secretário, quase um servo da gleba – da imensa gleba –, de Henry Irving, o maior ator shakespeariano de seu tempo.
Só que o pesadelo que acometeu Stoker naquela noite faria a roda do destino girar, pois deu origem a um dos livros mais impactantes de todos os tempos: um romance de gelar o sangue nas veias, uma prosa afiada e penetrante que desde 1897 mantém seus leitores cativos. Bram Stoker sonhou com um vampiro. Não só isso: sonhou com o pai de todos os vampiros, o terrível e adorável Conde Drácula.
Claro, ele se baseou na figura real de Vlad, o Empalador, o medonho governador da Transilvânia, que almoçava entre as estacas na ponta das quais suas vítimas agonizavam, empaladas. Baseou-se também no folclore romeno, nos contos de terror gótico, em Carmilla, de Sheridan Le Fanu, o primeiro livro "vampiresco", e em poemas tétricos de Byron e Shelley. Mas claro que nenhum deles hoje é capaz de sequer tocar o pó da tumba de Drácula.
O poder da imaginação gótica já se apoderara da mente de Bram muito antes de ele viajar na maionese. Nascido em Dublin, em novembro de 1847, foi acometido por uma doença misteriosa e passou os sete primeiros anos de sua vida inválido, deitado numa cama, no vilarejo de Clontarf, perto de Dublin. Só o que lhe restava era ler e contemplar pela janela o mar cor de chumbo espatifando-se contra as rochas. Seus biógrafos acham que ali está a fonte original de onde brotariam não só o clássico Drácula, mas também os contos de Under the Sunset.
Sim, 16 anos antes de escrever o livro que o imortalizou junto com o conde – que, aliás, morre no fim –, Stoker escreveu uma coletânea de contos infantojuvenis agrupada no volume Under the Sunset. Um desses contos se chama Quando o Sete Ficou Louco. É um delicioso texto que flerta com o surreal e mistura matemática – na qual Stoker formou-se com louvor no Trinity College – com um sonho infantil, tudo pela ótica de um menino e seu corvo de estimação. Inédito no Brasil, o conto acaba de ser publicado pela editora gaúcha Piu, traduzido por Paula Taitelbaum e por mim. Garanto que vai agradar a crianças de sete a 77 anos, umas 777 vezes. Só recomendo que não seja consumido junto