As Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo escorreriam pálidas e sem graça não fossem os uruguaios. Nada com eles é insosso, ao menos no futebol. A nossa Seleção tem de mirar no time de Marcelo Bielsa. Aqui, não se trata de análise tática, embora o argentino seja o guru dos técnicos. Já se percebe suas digitais, de quem gosta da bola, no Uruguai. A propósito: Bielsa tem o mesmo tempo de trabalho de Fernando Diniz, mas o rendimento coletivo é outro, capaz de vencer os dois gigantes do continente na caminhada rumo à Copa.
Sim, o Uruguai passou o carro no Brasil em casa e, para quem imaginava que poderia ser o fator local mágico do Centenário, foi lá na mítica Bombonera e derrubou a Argentina campeã do mundo de Messi. E o fez na bola e no desassombro, na valentia, sem medo de nada, com uma gana única. É onde quero chegar. O sentimento do uruguaio com a sua seleção é único. Não se trata daquele patriotismo bufo e fanfarrão, da boca para fora. Nem sei se está correto chamar de patriotismo. É algo diferente por uma razão: o Uruguai é diferente.
Como pode aquele naco de terra, soterrado pelas proporções continentais de Brasil e Argentina, seguir existindo cada vez melhor e mais forte? É um milagre. O Uruguai tem 3,4 milhões de habitantes, contra 45 milhões da Argentina e 214 milhões do Brasil. É inacreditável o que o futebol — sem dúvida o seu cartão de visitas — uruguaio consegue fazer na América do Sul e no mundo. Pisar na Bombonera lotada e colocar o dedo na cara, no sentido figurado e literal, de Messi e dos argentinos, é a essência do que parece faltar à nossa Seleção: comprometimento.
Repare no que disse o volante Ugarte, 22 anos, do PSG, ao ser entrevistado ainda no campo, após a épica vitória na Bombonera:
— Somos poucos, mas fazemos muito e ganhamos muito. Que orgulho de ser uruguaio!
Ele nem ouve a pergunta. Grita o que vai no seu coração celeste. Você não deve ter percebido, mas o zagueiro Ronald Araújo, 24 anos, faz o gol e, ato contínuo, antes de qualquer outro gesto, suspeito que antes até de a bola encostar na rede, agarra a camiseta, leva o escudo ao rosto e o beija muitas vezes enquanto corre. Sua primeira reação é o orgulho de jogar pelo Uruguai.
A forma como o lateral-esquerdo Matias Oliveira não se abaixa diante de um Messi é forte. Não houve violência, mas resposta, alma. Pode ter se passado um pouco no gesto, ok, mas futebol não é uma reunião de diplomatas. Lembremos que Messi passou a condição de divindade após a Copa do Catar. Como responder à altura um peitaço de Deus? Só mesmo um uruguaio, nascido no país em que a barulheira nas maternidades não é do choro dos recém-nascidos, mas da piazada gritando gol assim que vêm ao mundo.
É um sentido de sobrevivência, como se a cada jogo fosse necessário provar ao mundo que o Uruguai existe e seguirá existindo, contra todos os prognósticos. Os jogadores brasileiros, e não é de hoje, claro que com exceções à la Zagallo, parecem não dar mais tanta importância à Seleção. Voltam para a Europa, onde são bem tratados, e tudo certo. Tenho sempre a sensação de que o Brasil, para se dar bem e ser campeão, tem de empilhar craques em um mesmo time ao ponto de ser impossível combater tanto talento. Às vezes, nem assim nos damos bem.
Lembram do quadrado mágico de 2006? Deu em nada. Se houver igualdade técnica e a disputa se deslocar para o suor, danou-se. Messi deu entrevista indignado com a derrota em casa para o Uruguai e disse que é preciso mudar contra o Brasil. Ele, que ganhou tudo, lidera as Eliminatórias e segue jogando com 36 anos pela Argentina. Quantos craques brasileiros desistiram cedo da Seleção? Manter-se no nível Copa do Mundo por muito tempo exige sacrifício. Os uruguaios estão sempre dispostos. Nós, não.
Então, sem o talento de Neymar, restaram jogadores médios para o padrão pentacampeão. Ah, mas nossos jogadores saem muito cedo. Não criam vínculos com os clubes e a torcida daqui. Viram estrangeiros, distantes de alma. E os uruguaios? Ronald Araújo deixou os Rentistas rumo ao Barcelona com 17 anos. O volante Ugarte, do Fênix para Portugal, aos 18. O zagueiro Matias Oliveira partiu para a Europa aos 19. O problema é cultural. Temos de imitar o bravo Uruguai. Mirem-se no exemplo da Celeste.