Se a vida fosse uma escola de samba, a mais linda de todas, ele seria o abre-alas, o mestre-sala e o passista primeiro. Correria pela avenida toda para ser o melhor abre-alas, o melhor mestre-sala e o melhor passista. E seria, para não atrapalhar a evolução e o desfile dos outros.
E se a vida fosse um time de futebol? David Coimbra, o repórter David Coimbra, como a gente sempre o chamou mesmo depois da fama, e ele adorava, por que nós, os repórteres, um dia dominaríamos o mundo entre goles de chope cremosos, se a vida fosse um time campeão, ele seria o centroavante. E também o goleiro, é claro.
Fosse a vida uma Ipiranga trancada na hora do pique, ele seria o verde da sinaleira, sorrindo à espera da primeira brecha para seguir em frente guiando o seu auto. Se a vida se apresentasse ao David vestida de depressão para enganá-lo, como quando o câncer o desafiou, ele diria:
— Ah, tá. Pode tirar essa roupa aí. Nem vem, biltre! Vamos tomar um chope?
Pode ter existido alguém tão apaixonado pela vida como o David no IAPI, de norte a sul do Brasil, em todos os continentes, pelos mares e oceanos, em alguma galáxia ainda não descoberta, mas anote aí: mais amante das possibilidades infindáveis de um coração batendo, jamais.
Quando soube da sua morte injusta, senti como se me arrancassem um pedaço. Não é uma imagem muito criativa, admito. Certamente ele imaginaria algo melhor, mas é como eu me sinto. O chão sumiu. O corpo tremeu.
Perdi um irmão. Não de sangue, mas de todo o resto.
Só não o chamava de meu segundo pai porque a idade não permitia. Ele era sete anos mais velho, e me lembrava sempre que essa era sua diferença para o Régis, seu irmão de verdade.
Não houve uma só decisão da minha vida, profissional ou pessoal, que tenha sido tomada sem o aval do David. Agora, o David está morto. Como assim? Posso apostar que comunguei da sensação de seus leitores. Tive raiva. Por que logo ele, se há tanta burrice sendo espalhada por aí? Esmurrei a mesa. Depois, vitimizei-me.
E agora, como será, sem saber das garantias de confiar a ele a escolha do rumo certo? Sem as suas crônicas? Então, dei-me conta.
Ódio e vitimização não existiam para o David. É só ver como ele enfrentou as dores do câncer. Nunca deixou de trabalhar. Jamais deixou que sentissem pena. Seguiu o mesmo de sempre, preocupado com os problemas dos outros.
O ódio e a vitimização não o ajudariam a exercer a sua maior paixão, que é a vida, não importando quanto tempo mais lhe restasse.
Ele estava certo. E nós?
Nós estamos diante de uma encruzilhada. Chorar a morte? Ou celebrar a vida que ele viveu, ler os livros que ele escreveu, relembrar as piadas repetidas cada vez mais engraçadas que ele contou?
O David, e isso é certo como o tamanho do seu talento, escolheria, sem nenhuma dúvida, a segunda opção.
E aí, vamos tomar um chope??