Tudo começou em 1995. Jaime Maciel era responsável pela cozinha do hotel Jandaia, em Santana do Livramento, já com passagem pelo Plaza São Rafael e o Continental, em Canela. A Seleção se hospedou lá para os jogos no Estádio Atílio Paiva, em Rivera, durante a Copa América realizada no Uruguai.
Após a primeira refeição para os jogadores, o então supervisor, Américo Faria, não esperou nem a sobremesa e lhe fez o convite para comandar os apetites da CBF. Desde então, é o responsável por alimentar nossos craques, no Brasil e Exterior, do sub-15 ao profissional, incluindo Olimpíada e Mundial de Clubes a convite (Corinthians, Atlético-MG e Grêmio). Seus três filhos, que já lhe deram quatro netos, inclusive trabalham nesta conta: quantos países, passaportes e quilômetros têm na bagagem Jaime Maciel, gaúcho de Santiago do Boqueirão, 65 anos?
— Não faço ideia (risos). Mas é bastante — ri o chef de cozinha da Seleção Brasileira há quase três décadas.
Nada mau para quem começou como auxiliar de serviços gerais em restaurante e foi aprendendo vendo o pai cozinhando.
— O churrasco também é comigo, claro. Nunca ninguém reclamou — brinca o colorado Jaime, que mora em Gravataí quando não está viajando e pede um justo reconhecimento ao suporte familiar de Dona Maria Maciel, sua esposa, que sempre segurou as pontas em suas longas ausências a serviço da CBF.
No Catar, Jaime terá uma vida mais tranquila do que no sobe e desce de avião da Rússia. Não haverá deslocamentos. Tudo será organizado em um único hotel, sede da Seleção, o tempo todo. Só que essa “vida mais tranquila” termina na página três. Serão cinco refeições (café da manhã, almoço, lanche, jantar e seia) para 70 pessoas diariamente, liderando uma cozinha de 20 pessoas. O seu despertar é às 4h30min. Como antes das 23h é impossível encerrar o dia, minha primeira dúvida com Jaime é bem simples.
— Seu Jaime, quando o senhor dorme numa Copa do Mundo?
— O hábito faz o monge. Acostumei a não dormir. Por exemplo: depois do almoço preciso de uns 15 ou 20 minutos sagrados de sono. Para mim funciona: é como recarregar toda a bateria do celular. Vou driblando.
Os dribles de Jaime vão além do sono e de ter ensinado um japonês a cozinhar feijão no ponto certo mesmo sem falar inglês, só na linguagem gastronômica, com sinais e gestos.
Pode não parecer, mas cozinhar exige preparo físico. Lembre-se que é muito tempo em pé. Jaime mantém o corpo em dia com sete quilômetros diários de corrida. Quando está a trabalho da Seleção nem sempre é possível, claro, mas a ideia é espichar o dia como massa de pão para suas tarefas caberem em 24h. O despertar é madrugador também para, quem sabe, se exercitar.
— Quarenta minutos de academia resolvem — cronometra o Chef.
Tem também o drible dos alimentos. Jaime fornece ao hotel, que tem selo Fifa, a lista de produtos para montar o cardápio, alinhado com médicos e nutricionistas. Em todas as refeições, uma ilha de carboidratos, outra de proteínas e uma terceira de ovos e omeletes, além dos buffets de saladas, frutas e sobremesas leves.
— E a história do feijão e farofa de casa? É lenda?
— Ah, sempre levo meu estoque de segurança. Os hotéis disponibilizam tudo, mas sabe como é. São alimentos muito brasileiros. Peculiares. Não posso correr o risco de faltar. E também levo meus temperos.
— Que temperos?
— Ah, os meus temperos…
Hum, segredo do chef. Entendi.
Em 30 dias de convívio, Jaime tem de variar os pratos. Sempre a mesma coisa enjoa, por melhor que seja. Neymar, um dos que menos come, e isso talvez explique o fato de estar sempre magro, adora nhoque. Jaime o conhece desde os 15 anos, assim como Casemiro, Coutinho, Alex Sandro. Lembre-se que ele também pilota a cozinha para a gurizada da base. Então daqui a pouco pinta um agrado para o craque. Quando surge nhoque, Neymar já o procura com os olhos, como se agradecesse. Isso sem falar no pudim de leite condensado.
Já provei a iguaria, de fama lendária nos bastidores da Seleção. Pode haver pudim de leite condensado igual ao do Seu Jaime em algum ponto da estratosfera, mas melhor, jamais. Suponho até que liberar geral pudim de leite condensado aos jogadores em caso de Hexa possa ser um grande aliado em termos de incentivo. Vai ter pudim no Catar?
— Vai ter pudim. E a cada Copa eu crio algo novo na receita. A ideia é sempre melhorar, entender
Levando-se em conta que Jaime vai para a sétima Copa, fico imaginando no que resultará a versão Catar do pudim. Cuja assinatura de chef é de um dos tantos craques que ninguém vê na Seleção.