Claro que Renato representa muito mais, no universo gremista, do que Taison para os colorados. Neste momento histórico de baixa do Inter, talvez até o filho da Dona Tatá signifique, momentaneamente, tanto quanto. Bem. O fato é que são dois ídolos, cada um no seu quadrado. Um vai embora depois de uma passagem que o fez virar estátua. Costumo dizer que Renato não é parte do Grêmio: ele é o próprio Grêmio. Outro, Taison, volta após mais de 10 anos na Ucrânia.
O que faz um jogador se tornar ídolo de uma torcida para sempre? A resposta mais comum e errada é: títulos. Tem de ganhar, ser campeão, cruzar faixa no peito, brilhar a estrela do destino. A taça é cereja do bolo. Assim como não se pode analisar o futebol apenas sob a luz do resultado, também não dá para excluí-lo. Mas o amálgama do respeito e da admiração de um torcedor por quem defende a camisa do seu clube é algo mais profundo. Ser ídolo é muito mais do que ganhar e perder.
Pela lógica rasa só do resultado, você concluirá que Paolo Guerrero, por ter feito o gol do Mundial contra o Chelsea, em 2012, é mais amado pelos corintianos do que Basílio. A torcida do Palmeiras, em 1977, contava até 23 e entoava Parabéns a Você. O Corinthians não ganhava nem canastra havia 24 anos. Até Basílio enfiar o pé com raiva, estufando a rede da Ponte Preta e, aleluia, tirando o grito de campeão da garganta.
No Grêmio, Iúra ganhou dois estaduais, um deles nesse mesmo ano, 1977, mas é muito mais ídolo do que alguns campeões mundiais e vários de Libertadores. Ele podia ter saído do Grêmio cedo e feito carreira em outros lugares, mas preferiu ficar sofrendo até tirar o clube do coração da fila na década de 1970, dominada pelo Inter de Falcão.
Após deixar o Grêmio, o Inter tentou contratá-lo. O dinheiro era bom. Então, na hora de assinar, deram-lhe a camisa vermelha para a foto de praxe. Iúra travou. Não conseguiu vesti-la. Desfez o negócio ali mesmo.
D’Alessandro ganhou muitos títulos com o Inter, mas é quando volta na hora ruim, sabendo que as derrotas viriam – e, com elas, o risco de tisnar seu currículo –, que o ciclo se completa. D’Ale poderia ter ficado no River, onde é ídolo com foto gigante na lojinha do Monumental de Núñez e era treinado por um amigo pessoal, Marcelo Gallardo. Tinha recém sido campeão na Argentina. Mas não. Ele preferiu voltar para disputar a Série B pelo Inter no pior momento da história do clube, jogando em um time que não estava a sua altura. Ali, precisamente ali, tornou-se eterno no imaginário colorado.
Rivellino nunca ganhou nada pelo Corinthians, mas é lembrado até hoje como o Menino do Parque. Ergueu um mísero Campeonato Carioca pelo Fluminense, mas virou emblema da Máquina Tricolor, em 1975, ao lado de Carlos Alberto Torres, Edinho, Paulo César Caju e o argentino Doval. O elástico, drible eternizado por Ronaldinho, seu fã confesso, é desta fase.
Há muitos outros exemplos de jogadores que ganharam poucos títulos e nem por isso deixaram de ser grandes ídolos. Passemos a Renato e Taison, personagens da semana na Província de São Pedro. Eles estão noutro patamar pelas conquistas, sim, mas seriam ídolos mesmo se tivessem menos da metade do que venceram. Renato poderia ter ido para o Atlético-MG. O salário era muito maior, mas preferiu ficar no Grêmio, apesar dos claros indícios de fadiga dos metais ao entrar na sexta temporada seguida. Antes, recusara um Flamengo com elenco, organizado, rico e dono da maior torcida do Brasil. O cargo dos sonhos, enfim. No último instante, o coração falou mais alto.
Durante toda sua carreira de jogador e treinador, Renato nunca deixou de professar o Grêmio como religião. Nem de atiçar a rivalidade Gre-Nal, mesmo quando o Inter estava por cima. No Flamengo ou no Fluminense, dizia seguidamente, ainda que tenha adotado o Rio como casa: “Sempre gremista”.
Taison moveu mundos e fundos para voltar ao Inter. Chegou a brigar com o técnico do Shakhtar para ser liberado antes de junho, ao final do contrato. Punido, foi treinar em separado com o time B em um gramado sintético. Encheu suas redes sociais de declarações de amor pelo Inter. Recusou o Flamengo. Cortou pela raiz sondagens de Galo e Palmeiras.
Claro que nem ele, nem Renato, são mártires ou coitadinhos. Não jogam de graça. E tem de ser assim. É assim que funciona o mercado de elite. Tem de existir a relação profissional. Renato era o mais alto salário do Grêmio. Taison será o maior do Inter. Poderia ganhar várias vezes mais se renovasse com o Shakhtar ou seguisse na Europa. Tem mercado, mas vem para um Inter em dificuldades financeiras só pelo prazer de estar perto de casa e jogando pelo time do coração. São gestos como o de Renato e Taison ao longo da carreira que definem um ídolo.
Lembre-se: não é só futebol. Nunca foi. Nunca será.