Não, as fotos não são pagamento de propina da Odebrecht. Nem material encontrado em algum mandado de busca e apreensão da Polícia Federal, no âmbito da Operação Lava-Jato. Também nada tem a ver com a lista do Janot.
São prosaicos bolívares venezuelanos. Muitos deles. Lá, um dólar vale 3 mil bolívares. O Grêmio, como se sabe, enfrentou o improvável Zamora em Barinas, na Venezuela, esta semana. Atrapalhou-se um tanto nos primeiros 15 minutos, mas depois tomou conta do jogo mesmo com os desfalques de Edilson, Geromel, Maicon e Douglas. Venceu e convenceu por 2 a 0.
É líder do Grupo 8 com os mesmos três pontos do Guarany, do Paraguai, mas um gol a mais. Ambos se classificarão às oitavas no mole, entre silvos melódicos de flauta pan, relegando Zamora e Deportes Iquique ao que de fato são: turistas. Mas o que mochilas de dinheiro ou camas com maços velhos de dinheiro têm a ver com isso?
Na fase de grupos, a Libertadores nos dá a chance de mergulhar nos rincões do continente. Ainda mais agora, com três classificatórias, nas quais clubes sem grife, alguns pequenos, distantes dos centros maiores, conseguem uma chance de aparecer. O glamour só aparece a certa altura dos mata-matas, quando entram em as capitais chiques e seus estádios que exalam história: Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, Santiago, quem sabe a Lima dos incas dizimados pelos espanhóis no auge de uma civilização solar e bela.
Mas isso só ali adiante. Agora, o papo é outro. Boa parte dos estádios é um lixo, sem que a Conmebol mova uma palha para melhorá-los. Já vi um jogador do Emelec, no Equador, tropeçar em um fio de luz que balançava na parede lateral do túnel do estádio George Capwell. Parede cor de musgo, pintada pela infiltração da ágia. Em parte das cabines de imprensa, jornalistas tentavam conter a invasão de mosquitos, provenientes do Rio Aguaya, sufocando-os com fumaça de papel queimado. Olhando pela janela, dava para ver os vendedores ambulantes de uma vila de Guayaquil transformando o entorno em uma grande confusão, com direito a correria provocada por assaltos aqui e ali.
Mas dá para deixar de lado os estádios horrorosos em nome da bênção de penetrar no âmago da América do Sul. O Grêmio em Barinas foi assim. Isolada e fechada para o mundo por um governo lunático que se alimenta do populismo chavista – o presidente Nicolás Maduro conversa com passarinhos imaginários, para se ter ideia –, a Venezuela é um país de economia morta.
Famílias inteiras ganham voucher para comprar pão racionado. Formam filas enormes diante das padarias. Há câmbio negro para comprar pão. Tinha esquecido o que é viver na hiperinflação. No caso da Venezuela, algo em torno de 600%. É o fim da linha. O Brasil já experimentou imagens como estas, feitas pelo cinegrafista Emanuel da Ros, da RBS TV.
E nem faz tanto tempo assim: 23 anos. A mochila forrada de bolívares era para o caso de ter de fazer um lanche no meio da correria atrás do Grêmio. A dinheirama sobre a cama é, na verdade, 400 dólares trocados por moeda local pela equipe toda da RBS em Barinas. E o vídeo da moça do caixa do restaurante contando o pagamento de um almoço pelo Emanuel?
Quase não dá para acreditar.De novo: nessa fase, os estádios são uma droga. Mas, mesmo antes de o glamour dos grandes centros chegar, a Libertadores nos oferece a oportunidade de conhecer os rincões da América.
É a vida real. Baita aprendizado.