Estou com bons pressentimentos para essa primavera que chega. É verdade que me desacostumei a celebrar a inauguração da primavera, coisa que muito faziam antigos cronistas e eu mesmo, nas redações de colégio, instado pela professora:
– Escrevam 30 linhas sobre a primavera.
Cristo! Como escrever 30 linhas sobre a primavera? Aquela história da estação das flores é batida, todo mundo escreve isso. A verdade é que a primavera é a estação em que as plantas fazem sexo. Aquelas flores desabrocham, ficam coloridas e perfumadas. Para quê? Para atrair os insetos polinizadores. É só essa a ideia delas: a reprodução. Só! Depois de cumprida a tarefa, elas murcham e os polinizadores que se virem.
A questão é que aqui, nos trópicos, ou subtrópicos, esse momento de repoltreio vegetal pode ocorrer em qualquer parte do ano. Há pouca diferenciação entre as estações. No Sul amado são dois tipos de clima: mais frio e mais quente. No Norte brasileiro é calor o ano inteiro (rimou!), com mais ou menos chuvas.
Já no Nordeste americano, onde vivi por seis anos, as estações são realmente marcadas. No verão, tudo está verde-escuro, luminoso e vibrante. Aí, no belíssimo outono, as folhas amarelecem ou avermelham e, um dia, flutuam docemente para pousar no solo. Quando as árvores estão nuas e secas, vem o inverno branco, rigoroso, ameaçador. Até que, finalmente, o frio cede para a entrada gloriosa da primavera. Aí, sim, a cidade toda fica colorida e tudo, plantas, insetos e animais de grande porte, como os humanos e os elefantes, tudo está em festa.
Essa mudança do inverno exigente para a suave primavera é uma bênção. A vida muda e fica mais alegre. As pessoas guardam os casacos pesados e as botas impermeáveis e saem às ruas, para beber, rir e confraternizar. As mulheres põem as pernas nuas e os homens correm para os parques para jogar com a bola redonda ou a elíptica. É lindo e excitante. Donde, o prestígio da primavera.
Essas alterações de clima ocorrem como mágica, quase que de um dia para outro, como se, ao acionar uma alavanca, a paisagem se transformasse. Assim, existe lógica em você comemorar:
– Oba! Chegou a primavera!
Mas, no Brasil, não. No Brasil, as variações meteorológicas são mais sutis, quase imperceptíveis. Vai esfriando ou vai esquentando, no gerúndio, aos poucos. No entanto, neste ano, em especial, não. Neste ano, no momento em que a primavera chegou, eu a senti. Não sei se foi uma aragem nova, um sopro macio que veio do rio, ou um raio de sol furtivo que me aqueceu os ombros e a nuca, não sei exatamente o que foi, mas sei que a percebi. De repente, cheirei o ar e sorri. “É ela!”, exclamei para mim mesmo.
“É a primavera!” Ela veio, depois de tanto tempo, depois de um longo e escuro inverno, e tudo vai melhorar. Acredite: tudo vai melhorar.