Agora mesmo fiz um cafezinho ótimo. Fiz na moca. Ou mocha, têm uns que chamam de mocha. A Marcinha insiste que o café preparado na moca tem de ferver em fogo baixo. Ela viu isso em algum desses programas de culinária na TV. Então, estou fazendo o café e ela vai lá e abaixa o fogo. É irritante. Mas agora ela não estava por perto, aí aqueci meu café em fogo alto, altíssimo, o mais alto dos fogos, e ficou excelente. Quer dizer: essa história de fogo baixo é balela.
Quando meu café havia fervido e fumegava feito a cabeça do Sargento Tainha, eu o derramei numa xícara branca de porcelana. Não uma caneca; uma xícara. E, debaixo da xícara, acoplei um pequeno pires também branco. Adocei com um desses açucares marrons. Brown sugar, diria o Mick Jagger. Mexi com minha colherinha que deveria ser de prata.
E experimentei.
Estava perfeito. Que cafezinho bem bom, esse que fiz. Lembrei dos cafés que são servidos nos Estados Unidos. Eles botam aquele café aguado, quase um chá, num enorme copo de papel e fecham com uma tampinha de plástico e dão para o cliente, que sai à rua bebericando e sorrindo. Em volta do copo eles colocam uma espécie de cinturão de papelão, para você não queimar os dedos. Tempos atrás, uma mulher se queimou com o café e processou a lanchonete. Ganhou um monte de dólares. Aí algum esperto inventou esse cinturão de papelão, vendeu para as redes de café e ficou rico. Uma única ideia engenhosa, e o cara nunca mais precisou trabalhar.
É como aquele sujeito que inventou a mesinha de plástico, de três pernas, que fica no meio da caixa de pizza. Aquela coisinha impede que a tampa da caixa bata na cobertura da pizza, melecando tudo. Pois teve um bidu que bolou a mesinha e também ficou rico com a ideia, que nem o do cinturão de papelão.
Eu mesmo já tive diversas ideias assim simples e geniais, como o celular de pulso, e não fiquei rico. Estou fazendo algo errado.
Mas estava falando do meu cafezinho. Um café na temperatura ideal, adoçado com a quantidade ideal de brown sugar, servido numa adequada xícara branca de porcelana. Enquanto o sorvia, congratulei-me comigo mesmo, sorri de satisfação e então pensei na dor.
Passei muito tempo sentindo dor desde o fim do ano passado. Não vou entrar em pormenores, para não aborrecê-lo, enfarado leitor, só digo que foi uma falta de sorte, porque uma dor gerava a outra e as moléstias foram se acumulando, até que chegou o momento em que só existia dor, para mim.
Era onde queria chegar: é impossível sentir o prazer que senti com meu cafezinho, se estou com dor. Eu poderia fazer o café perfeito, como fiz, e não conseguiria usufruí-lo. Seria um desperdício de perfeição de café.
A dor distorce a realidade, tira a beleza da vida. Isso vale para uma pessoa, prisioneira que é do seu próprio corpo, e para um país. O Brasil, ultimamente, só sente dor. Como uma nação pode produzir uma Bossa Nova, por exemplo, se está sentindo dor? Não, a Bossa Nova é de um tempo mais ameno, um tempo em que se sentia o prazer de um cafezinho bem feito. Se não conseguimos nos curar de todos os nossos males, tínhamos de sanar essa dor mais urgente, a da divisão política, que ora nos atormenta. Que analgésico nos salvará? Não sei. Talvez estejamos prestes a descobrir.