Prometi falar de Deus hoje. Mas, entenda, amado leitor, não estou me sentindo suficientemente solene para abordar um assunto tão... grandioso. Deus é coisa séria. Tem gente que fica furiosa, se você se refere a Deus de uma forma que ela considera incorreta.
No começo dos anos 80, Gilberto Gil escreveu “Se eu quiser falar com Deus” especialmente para Roberto Carlos cantar. Mostrou-a para Caetano Veloso, que sentenciou:
- O Roberto não vai gravar isso...
Não que a música fosse ruim. Ao contrário, é belíssima. Mas na letra estavam embutidas palavras que Roberto não pronunciaria, como “diabo” e “medonho”. Como Caetano previu, Roberto não aceitou a canção. Que ganhou uma beleza emocionante na voz de Gil. Elis Regina também a cantou, e o fez a capela, e é de arrepiar.
Mas, como dizia, é necessária certa liturgia para falar de Deus. Não se deve pronunciar Seu nome em vão, adverte o terceiro mandamento. Tanto que, durante séculos, os hebreus não ousavam dizer o nome de Deus. E o próprio Senhor, manifestando-se a Moisés, resumiu:
“Eu sou aquele que é”.
Que frase poderosa!
Na verdade, ninguém tem certeza sobre como soa o nome do Deus no qual se sustentam as três grandes religiões monoteístas. Supõe-se que seja Javé, Jeová ou Yaveh, mas ninguém sabe ao certo, porque o antigo hebraico não tinha vogais. Assim o nome de Deus aparecia escrito no tetragrama YHWH.
Os hebreus, a fim de evitar a blasfêmia, passaram a chamar Deus de “Adonai” ou “Elohim”. Freud escreveu um clássico acerca desse assunto: “Moisés e o monoteísmo”. É um livro fácil de ser lido, apesar do tema erudito. Freud escreve com fluência e envolve o leitor. E a carne do texto, o conteúdo, é nada menos do que genial: Freud lança a tese revolucionária de que Moisés era egípcio!
Existe lógica histórica na suposição de Freud. Porque o monoteísmo não foi uma invenção judaica, como muitos pensam. Foi egípcia. Mil e trezentos anos antes de Cristo, o faraó Akenaton fez uma reforma religiosa estrepitosa no Egito: anunciou que só existia um deus, o deus sol, Aton, e aboliu todos os outros cultos ancestrais.
A mulher de Akenaton era Nefertiti, a famosa “Rainha do Nilo”. Há um igualmente famoso busto de Nefertiti exposto em um museu da Alemanha, mostrando que ela era uma morena linda, de olhos grandes e boca sensual.
Freud achava que Moisés era um sacerdote de Aton e que, depois da queda de Akenaton e da restauração da antiga religião, acabou levando o culto para os hebreus. Segundo ele, “Adonai” vinha, precisamente, de “Aton”.
Não é perturbador você descobrir que a origem do seu Deus, amado leitor, é egípcia? Mas, como disse, não estou me sentindo cerimonioso o bastante para falar de Deus hoje. Outro dia falo.
Seja como for, posso antecipar que Gilberto Gil, ainda que rejeitado por Roberto Carlos, tinha razão: essas especulações elevadas a respeito do que é intangível e espiritual só podem ser feitas caminhando-se pela estrada, que, ao findar, vai dar em nada, nada, nada do que você pensava encontrar.