Está bem.
Confesso.
Eu uso sapatênis.
Ganhei um da Marcinha, uma vez, e tenho usado. Mas resisti o quanto pude. Pensava: vou me transformar em motivo de chacota entre meus amigos, se me virem de sapatênis. Porque sempre usei botinas, entende? Sempre. Me dava, sei lá, um ar meio selvagem. Gosto de ter um ar meio selvagem.
Quando morei nos Estados Unidos é que comecei a calçar tênis no verão. Talvez tenha sido por compensação psicológica, porque, durante todo o severo inverno do Norte, meus pés ficavam dentro das minhas botas Ugly. Oh, como gosto das minhas botas Ugly. Enfrentam neve, enfrentam chuva, enfrentam as intempéries com a bravura de um Kannemann.
Trouxe minhas botas Ugly para o Brasil. Num dia de inverno, calcei-as e saí por aí, bem feliz. Aí encontrei meus amigos Admar e Cabeça. Eles nem bem falaram comigo e já riram: “Mas que bota feia!” Tentei explicar que havia uma filosofia naquilo tudo: o nome dessas botas é Ugly, feio em inglês, a ideia é que elas sejam companheiras cumpridoras, úteis e sempre confiáveis. Quem usa uma Ugly está pouco se lixando para a vaidade, vaidade das vaidades, tudo é vaidade debaixo do sol, como dizia o Eclesiastes.
Você acha que adiantou o meu arrazoado? Continuaram rindo e repetindo irritantemente: “Bota feia, bota feia”. Definitivamente, você não pode usar umas boas botas Ugly nos trópicos.
Então, a Marcinha veio com aquele sapatênis. De imediato, lembrei da Constanza Pascolato, que ensina: “Você tem a idade do seu sapato”. Ela só usa tênis, é uma mulher jovial, além de ser muito elegante. Mas sapatênis, francamente, me parece coisa de quem pendura o casaco nos ombros, que nem o Tio da Sukita. De quem quer ser jovem, mas já não é. O cara almeja a juventude, só que a sua idade provecta interior lhe suprime a coragem de colocar tênis. Ele é velho na alma e nas articulações. Aí ele apela para o meio-termo do sapatênis. A pior opção. Seja quente ou seja frio, se for morno eu te vomito!
Por todas essas razões, havia decidido terminantemente não usar sapatênis. Mas um dia a Marcinha insistiu para que os calçasse, e você sabe como são as mulheres: elas conseguem ser persuasivas, quando querem. No caso, ela argumentou que até o Tio Niba usa sapatênis. Aquilo me fez estremecer. O Tio Niba é tio dela e é um modelo de elegância masculina. Porque ele é da lida do campo, ele veste bombachas e botas de cano alto e adaga na cintura e tudo mais. Porém, quando está na cidade, o Tio Niba é um despojado que combina toda a masculinidade rural com a irreverência citadina. Assim, se o Tio Niba usa sapatênis, por que não eu?
Usei, pois.
E gostei!
Senti-me selvagem novamente, como no tempo das botinas.
E, dias atrás, estava dentro dos meus sapatênis pela primeira vez na vida e encontrei, justamente, o Admar e o Cabeça. Antes que disséssemos bons dias, antes de qualquer aceno, antes que eu pudesse pronunciar Cucamonga, eles olharam para baixo. Apontaram, ambos, para os meus pés. E gritaram, em coro: “De sapatênis! De sapatênis!” Continuaram rindo, mas permaneci impávido. Resolvi que usar sapatênis seria uma prova da minha personalidade inabalável. É o que estou fazendo. Porque é impossível agradar a todos, nos trópicos.