Vi um casal de velhos andando de mãos dadas na rua. Cada vez que deparo com uma cena dessas, a Humanidade ganha um ponto comigo. O que é positivo, ainda que a Humanidade provavelmente não ligue muito para a minha opinião a seu respeito.
Esses dois velhos, eles... Ah, sei que não é correto chamar velhos de velhos, mas me recuso a usar termos repugnantes como “melhor idade”. Também não gosto de “terceira idade”, porque aí teria de falar na primeira e na segunda idades, algo que é bastante confuso, sobretudo por causa da segunda. A primeira é a dos nenês, óbvio. Mas, depois dessa etapa, há um grande espaço para ser ocupado pela segunda idade. Eu mesmo, suponho que esteja na segunda idade. Mas meu filho também deve estar. Afinal, ele tem 12 anos, não é mais nenê. Ou seja: a segunda idade vai dos cinco aos 60 anos. É isso? Alguém precisa explicar melhor esse negócio.
Mas, voltando aos velhos que vi, eles sorriam, enquanto caminhavam. Um deles deve ter dito algo engraçado. Eram bem velhinhos, moviam-se com alguma dificuldade, o passo pequeno e vacilante, ela um pouco melhor do que ele, como sói acontecer em casais antigos.
Quantos anos teriam? E o mais importante: há quantos anos estariam juntos? Cinquenta, talvez? Sessenta? Decerto que sim, entre eles pairava uma harmonia de décadas.
Mas é claro que nem sempre foi tudo tão leve e fácil. Houve problemas, como há em qualquer casal. Não duvido que, nos anos cálidos da juventude, ele tenha se encantado com uma morena de pele dourada e olhos de guepardo. Era uma morena sinuosa e passava gingando e lhe lançava olhares de promessa e ele cedeu à tentação.
Eis o que mais interessa saber, acerca das tentações: você só cede a elas se elas existirem.
Se ninguém oferecer um milhão para que você se corrompa, você será incorruptível. Se nenhuma morena sinuosa lhe lançar olhares de promessa, você será um marido fiel. O velhinho, se não foi, é porque era um jovem guapo, e a morena o cobiçou. Quando a velhinha descobriu, sentiu o coração trincar. Mas, ao ver que ele realmente se abalava com a separação, compreendeu que havia sido apenas um caso. Apenas sexo. E o aceitou de volta. E a vida foi em frente.
E ela? Será que ela também não sofreu com tentações? Examinei-a bem. Havia resquícios de uma beleza gloriosa no seu jeito de andar, mesmo que claudicante, e, principalmente, no seu jeito de olhar. Sim, uma luz de malícia triste coruscava em seus olhos. Tenho de dizer que as mulheres que mais me comovem são as de olhar triste. Irina Shayk, por exemplo. A mulher mais linda do mundo, a russa Irina.
Aquela velhinha pode ter sido assim. Olhos de uma tristeza misteriosa. Cabelos de ouro. Pernas longas de corça. Não me espantaria se, nos anos mornos do casamento, algum rapagão tenha lhe feito propostas de aventuras. Oh, ela teve vontade de se deixar seduzir, de viver uma vida nova e louca. Chegou até a pintar o cabelo de vermelho. O que a impediu de se separar? Os filhos? Ou, em certa noite, o seu marido, que parecia tão cansado e indiferente, apareceu em casa com um botão de rosa na mão e levou-a para jantar em um restaurante caro e, na madrugada, eles fizeram amor como nos tempos do namoro? Pode ser. Mas há chances de ela ter se entregado ao outro uma noite, uma única noite, e essa noite de desejo cru e proibido volta e meia ainda lhe vem à lembrança, arrancando-lhe do peito um suspiro um pouco doce e um pouco doído...
Quantas dores em 60 anos de convivência, quantos dias de incerteza. Já houve grosseria, já houve desacato. Já trocaram palavras duras, já se insultaram, mas se arrependeram. E voltaram atrás.
Os dois velhinhos iam longe, enquanto eu pensava essas coisas. Continuavam de mãos dadas. Continuavam bem. Fiquei feliz por vê-los. Por ter certeza de que entre eles havia não apenas amor. Havia também tolerância, compreensão e perdão.