O Cabeça e a Deinha me disseram que choraram de soluçar ao ver o filme “Milagre da Cela 7”.
“Nunca chorei tanto na vida”, gemeu o Cabeça.
Fiquei surpreso:
“Nem ao assistir O Campeão?”
“Chorei mais do que no Campeão”, ele respondeu, e notei que até embargou um pouco a voz de comoção retroativa.
Nossa! Não era possível. Nenhum filme pode emocionar mais do que O Campeão. Na época, 79 ou 80, a gente ia para frente dos cinemas, esperar o fim da sessão. As pessoas saíam com os olhos inchados, uns fungando, outros ainda vertendo lágrimas, um fenômeno. Decidi que assistiria e não choraria. Sou do IAPI, afinal de contas. Qual o quê! Eu era um bezerro na poltrona do cinema. Um bezerro.
Então, precisava ver esse filme que desafiava O Campeão em capacidade de dilacerar corações. Será que choraria também?
Mas, antes deste, havia outro em minha lista, um que o Ticiano Osório indicou vivamente: “O Homem Invisível”.
O Ticiano é sentimental como o Cabeça. Os dois assistem filmes de amor e tudo mais. Eu, não. Eu sou contra o amor. Então, se o Ticiano ou o Cabeça me recomendam uma comédia romântica, por exemplo, eu faço argh e vou ver um filme em preto e branco com o Humphrey Bogart ou o James Cagney, com histórias que são, realmente, para quem é do IAPI.
Mas O Homem Invisível não é um filme de amor. E também não é sobre um homem invisível. É sobre um homem que persegue uma mulher. No caso, a própria mulher. Ele é um desses caras que veem a mulher como sua propriedade. A mulher, em si, não é importante para ele. Ele não gosta dela, ele gosta de tê-la. O diretor foi muito engenhoso para passar essa mensagem: ele escolheu como protagonista uma atriz que não é bonita, e a personagem não tem nenhuma qualidade especial: não é talentosa, não é inteligente, não tem carisma. Ela mesma, em meio à trama, questiona:
“Por que você me quer? Eu sou tão comum...”
É o que demonstra o que move esse tipo de perseguidor, um tipo que vemos volta e meia no noticiário policial, o homem que mata a mulher por não aceitar a separação. Por que ele mata? Porque ele não admite perder a posse da mulher, como não admitira perder um terreno ou um carro.
O Homem Invisível seria perfeito se não houvesse homem invisível, mas aí seria exigir sutileza demais para um filme que almeja boa bilheteria.
Gostei, pois, do Homem Invisível, e no dia seguinte fui enfrentar Milagre da Cela 7. É um filme turco. Apesar disso, é muito bom. Um homem que tem deficiência mental é pai de uma menininha linda. Eles são pobres, mas vivem numa casa aconchegante em frente ao mar e se amam muito. Até que ele é acusado de um crime que não cometeu e é mandado para uma terrível prisão turca. Se você assistiu ao Expresso da Meia-Noite, sabe o que é uma prisão turca. Essa nem é tão ruim, mas...
Não continuarei contando a respeito, para não dar spoiler. Só conto que é mesmo emocionante. Porém, eu havia sido preparado pelo Cabeça e pela Deinha, e fui para o sofá decidido: desta vez, não choraria! Concentrei-me. E não chorei. Em certo momento, confesso, meus olhos marejaram, mas aí pensei no corona, no lockdown, nas UTIs lotadas, em todas essas coisas desagradáveis, e a vontade de chorar passou. Um alívio. Virar um bezerro em dois filmes seria demais para um cara do IAPI.