O Rio Grande do Sul é mesmo diferente de todo o mundo. Por aqui, temos governantes previdentes e sábios comandando uma população estúpida. É o que se pode depreender do que ocorre na pandemia do coronavírus. Quando os números eram bons, com poucos casos e poucas mortes, o governador e os prefeitos eram festejados; agora, que há risco de colapso no sistema de saúde, a culpa é da população, que não toma os cuidados adequados e não obedece às ordens de nossos seres iluminados que habitam os palácios do poder.
Fico confuso com tudo isso. O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros lugares do Brasil a impor isolamento. As medidas restritivas foram tomadas em 15 de março, quando não havia uma única morte no Estado. Parecia excesso de zelo, mas os governantes alegaram que precisavam de tempo para fortalecer o sistema de saúde.
Pensei, na época, que havia lógica no raciocínio. Os governantes provavelmente estavam tomando por base o pior cenário possível e se preparando para enfrentá-lo, se fosse necessário. As condições eram favoráveis para o planejamento, porque existia um parâmetro de cenário ruim, a Lombardia, e existia disposição da sociedade em ajudar, inclusive com empresários fazendo gordas doações para compra de equipamentos de saúde.
Foi estabelecida uma meta para a aquisição de UTIs, e, que maravilha, a meta foi alcançada. Mas, então, por que agora há ameaça de se esgotar o sistema de saúde? “Não basta aumentar o número de UTIs”, foi o novo argumento que lançaram. “É preciso haver profissionais para operá-las”. Não sabiam disso lá em março? Nenhum médico contou aos governantes que tem de haver enfermeiros especializados nas UTIs? Mesmo eu, que sou um ignorante em saúde pública, desconfiava disso. Por que os profissionais não foram contratados?
Li, dias atrás, uma entrevista que o repórter Carlos Rollsing, de Zero Hora, fez com o secretário-adjunto da saúde de Porto Alegre, Natan Katz. O título é: “Do aluguel de UTIs à importação de profissionais, prefeitura discute como evitar colapso do sistema de saúde”.
Fiquei pasmado. Estão discutindo isso AGORA? Depois de mais de quatro meses de isolamento? Por que esse debate não foi feito em março? Não sabiam que o inverno chegaria e que, no Rio Grande do Sul, as UTIs sempre lotam nesse período do ano?
Atravessamos março e abril com UTIs ociosas. Em maio, a UFPEL divulgou uma pesquisa demonstrando que 0,05% da população estava infectada. Ou seja: quase ninguém. Por que o isolamento foi mantido? Por que não houve relaxamento, dando fôlego à sociedade?
Vou citar o exemplo de cidades que conheço bem e que estão próximas: Joinville e Criciúma, em Santa Catarina. Elas impuseram forte isolamento durante cerca de 40 dias, depois liberaram tudo, com restrições, como o uso obrigatório de máscaras e proibição de aglomerações. Agora, quando a pandemia se deslocou para o Sul, essas cidades estão prontas para fechar novamente. Mas, entre um fechamento e outro, respiraram, reuniram energias, se vitaminaram.
O vírus desceu para os Estados do Sul sem discriminar quem estava mais aberto ou mais fechado. Sempre soubemos que isso aconteceria. Sempre soubemos que o inverno é a época do ano em que há mais doenças nessa parte do país. E sempre soubemos que o vírus não iria embora, mesmo que ficássemos escondidos em casa. Ficamos escondidos em casa a fim de que as autoridades tomassem as medidas necessárias para que o sistema de saúde não entrasse em colapso. Se o sistema de saúde entrar em colapso, a inferência é óbvia: as autoridades não tomaram as medidas necessárias.
O Rio Grande do Sul é mesmo diferente de todo o mundo. E de todo o Brasil. Fechou antes de todos os Estados do país. Vai reabrir depois.