Um dos capítulos do meu livro História dos Grenais leva o seguinte título: "Ibsen entra em campo". Nele, conto o que ocorreu no clássico que decidiu o campeonato de 1969, disputado em 17 de dezembro. O Gre-Nal estava em 0 a 0, quando, aos 16 minutos do segundo tempo, Valdomiro fez 1 a 0. Era o gol do título. Mas o árbitro Zeno Escobar Barbosa marcou falta do atacante do Inter no lateral Everaldo e anulou a jogada.
Os colorados estouraram em revolta, cercaram o árbitro, protestando, xingando, pressionando. Então, ocorreu uma cena inusitada e histórica. Que, no livro, relatei assim:
"Ibsen Pinheiro saiu do túnel e cruzou a linha lateral do gramado. Ibsen não correu, não gesticulou, não se agitou. Andou em direção a Zeno com calma e decisão, senhor de si, dono da situação, ereto como um príncipe. Ibsen caminhava como se estivesse atravessando o corredor da sua casa.
O policiamento ficou confuso. Aquilo não era uma invasão de campo. Pelo menos não nas previsões dos manuais. Ao chegar a um palmo do árbitro, Ibsen advertiu, olhando-o nos olhos, serenamente, peremptoriamente:
— Isso aqui está muito louco. Nós vamos morrer todos aqui dentro. O povo vai pular os portões da Coreia e vai ser um massacre.
Pasmo, o juiz apenas balbuciou:
— Deixa comigo, deixa comigo, deixa comigo."
O jogo terminou empatado e o Inter conquistou o título, interrompendo a hegemonia do Grêmio, que já durava sete anos.
A marcha serena de Ibsen pelo campo do Beira-Rio se transformou num símbolo daquele campeonato e da retomada das conquistas do Inter. Foi um momento de glória desse colorado devotado. A cena da final foi um marco. Depois dela, Ibsen se tornou uma referência de três áreas da vida pública gaúcha: do esporte, do jornalismo e da política.
No jornalismo, ele ocupou os espaços mais importantes: assinou uma coluna em Zero Hora e participou do Sala de Redação; no esporte, foi um dos responsáveis pela construção do maior time da história do Inter, o dos anos 70; na política, alçou-se à presidência da Câmara dos Deputados, foi protagonista do impeachment de Collor e chegou a ocupar a presidência da República interinamente.
Em todas as áreas, Ibsen foi arguto e agudo, percuciente e consciente, Ibsen temperou cada uma de suas participações na vida pública com uma inteligência e uma sagacidade de Churchill, de Millôr Fernandes, de Paulo Francis.
No mês passado, escrevi uma crônica sobre a função de tituleiro, que existia nos jornais antigos, e, no dia 10 de dezembro, recebi um e-mail de Ibsen comentando o texto. Era uma mensagem escrita com a marca do seu talento, ele que era também um grande contador de histórias. Assim:
“David, me lembraste o tituleiro-legendeiro-chamadeiro que fui nos anos 60. Ficávamos todos os copidesques batalhando um tempão, mas também lembro da pronta e inspirada solução do meu irmão Ofir, quando o secretário lançou o desafio:
— Ih, o Eisenhower cancelou a vinda ao Brasil. Três linhas de três toques.
O Ofir teclou três linhas e já foi pegando o paletó e a gravata, contemporâneos da velha tipografia. Nós mal olhamos e saímos atrás. Manchete do tabloide Diário da Noite, Rio, 1963:
IKE
NÃO
VEM
Abraço do Ibsen.
PS - Lembro também do título meu de uma coluna, que acabou no alto da primeira página do JB: “Santo agora é Seu Jorge.”
Genial. Como tudo que o Ibsen fazia.