Havia, nos jornais, as funções de “tituleiro” e “pauteiro”. A de tituleiro se justificava numa época em que os títulos eram feitos, digamos, “à mão”, sem recursos de computador, porque nas Redações não existia computador. O editor desenhava uma página no papel com o diagramador, que, depois de fazer seus cálculos, avisava:
– O título dessa matéria tem de ser em duas linhas de 23 toques cada.
Ficava feio fazer uma linha de 23 e outra de 20, por exemplo. A simetria era imprescindível para a beleza da página. Então, o tituleiro levava tempo pensando no título perfeito, escrevendo e reescrevendo, gastando laudas e laudas, até acertar. Esse trabalho tão especializado acabou sendo absorvido pelo editor, claro, não tinha sentido deixar um cara só fazendo título o dia inteiro.
Eu, quando era editor do Jornal da Manhã, de Criciúma, uma vez tive de montar uma capa em que a manchete devia ser composta em três linhas de seis espaços cada. Era uma matéria sobre a enchente que afligia a cidade naqueles dias. Como fazer três linhas de seis toques? Como? Seis letras não são nada… Bem. Fiz assim:
“Chuvas
Causam
Cheias”
Três linhas. Seis toques. Não mais. Nem menos. Pode me chamar de galo cinza da edição jornalística.
A função de pauteiro durou um pouco mais do que a de tituleiro. Um dia, cheguei à Redação de um jornal em que trabalhava, nos anos 80, e o pauteiro me pegou pelo braço, levou-me até a mesa dele e apontou para uma pilha de papeis. Informou, orgulhoso:
– Fiz 60 pautas, hoje. Sessenta!
Lá se foi meu queixo, peito abaixo. O sujeito tivera 60 ideias para matérias em uma única manhã, um fenômeno. Eu não tinha 60 ideias em um ano!
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Falei brevemente sobre as tarefas do pauteiro e do tituleiro, nesta segunda-feira (9), na Rádio Gaúcha, quando comentamos acerca da extinção da profissão de cobrador de ônibus em Porto Alegre. Porque é incontornável: essa função será extinta, como foram as de pauteiro e tituleiro nas Redações. Na maioria das cidades do mundo já não existe cobrador no transporte público. Eles foram substituídos por sistemas eletrônicos. Lutar contra isso é lutar contra a realidade, e a realidade sempre vence. O que se precisa, agora, é recolocar, paulatinamente, os 3,6 mil cobradores que ainda atuam na cidade.
Mas essa é uma contingência que, parece, será resolvida – eles não serão demitidos. Há outra questão mais profunda e mais grave que esse caso revela. Vou explicar do que se trata citando um exemplo: há um ano, fui passar o Natal na casa de amigos em Rochester, cidade do Estado de Nova York. Essa cidade era notória nos Estados Unidos por ser sede de três empresas: a Kodak, a Xerox e a Bausch & Lomb. Ora, o mundo mudou muito nas áreas de revelação de filmes, cópias de documentos e lentes de contato. Assim, essas três gigantes se transformaram em anãs. Só para se ter uma ideia do tamanho do encolhimento, cito que a Kodak tinha mais de 60 mil funcionários e restou com 6 mil.
Rochester, evidentemente, sofreu com a diminuição das multinacionais. Mas reagiu. Os funcionários demitidos conseguiram encontrar novos empregos. E a cidade se diversificou, investindo em ciência e tecnologia.
Como eles conseguiram tal façanha?
Por causa da qualificação dos funcionários das três superempresas. Eles eram tão bons que foram disputados com ardor por outras companhias. Uns passaram a ganhar menos, outros se mudaram de cidade, muitos se adaptaram a tarefas diferentes das que exerciam, mas eles deram um jeito.
Uma vitória da educação.
Educação é a resposta. Educação é a saída. Nós precisamos de educação.