O tema de abertura da novela das nove é uma música antiga do Gonzaguinha. Já contei que antes eu gostava do Gonzaguinha, mas a Cláudia Laitano me fez desgostar dele. É que um dia ela falou algo como “Gonzaguinha? Argh!”, e, a partir daí, comecei a prestar mais atenção às músicas dele e a ver defeito em quase todas. Uma falta de personalidade minha, acho.
Esse tema da novela, por exemplo.
O título é É. Isso mesmo: apenas É.
Mas o problema não está no título e sim num pedaço da letra, em que o Gonzaguinha diz o seguinte:
“A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Pra passar a mão nela”.
Francamente. Uma imagem vulgar. Sei que, hoje em dia, não podemos ser muito exigentes com letras de música, mas Gonzaguinha, para se ombrear a um Caetano, a um Chico, a um Belchior, tinha de fazer muito melhor do que isso. Então, a cada noite, quando a Marcinha começa a ver a novela, eu penso:
“Gonzaguinha? Argh!”
Falta de personalidade.
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Há outros autores da MPB que são superestimados. Raul Seixas. Ele tem pelo menos duas músicas maravilhosas, Gita e Medo da Chuva. Uma que é obra-prima, Ouro de Tolo. Um punhado de composições entre boas e médias. E várias de rebeldia bobinha.
Há uma, Cowboy Fora da Lei, em que Raul canta:
“Mamãe não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar”.
Não é das piores, embora também não seja das melhores. Se estivesse no Campeonato Brasileiro, não se classificaria para a Libertadores. Mas há ali uma ideia que se encaixa nem tanto na cultura brasileira, mas na norte-americana: o temor do assassinato político.
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Os Estados Unidos são um país armado. Calcula-se que existam 300 milhões de armas de fogo entre 360 milhões de habitantes. Então, é fácil matar. Esses tiroteios em que morrem inocentes ocorrem a todo momento. Agora mesmo, no instante em que escrevo esse parágrafo, entrou uma notificação do New York Times contando que um atirador matou três pessoas em Pensacola, na Flórida. Isso é tão comum que a imprensa internacional noticia em pé de página.
Por essa razão, os políticos têm medo. Naturalmente: um político, por mais amado que seja, sempre é odiado por muitos. Diria até que há uma relação aí: quanto mais amado ele é, mais odiado será.
Já fui a eventos em que compareceu o presidente americano. O aparato de segurança montado em torno dele é espantoso. A internet é cortada nos quarteirões próximos. No céu, helicópteros vigiam cada movimento. Há agentes em trajes civis por toda parte.
Li o livro de Michelle Obama, Minha História. É bem interessante, leia. Tem um trecho em que ela relata sua surpresa e assombro ao ver, pela primeira vez, a estrutura que o serviço secreto armava para proteger seu marido. Barack ainda não havia tomado posse e chegava ao aeroporto de Washington. Michelle esperava por ele, ao lado de um agente chamado Cornelius, que disse para ela:
– Madame, sua vida está prestes a mudar para sempre.
Michelle lançou-lhe um olhar confuso e ele apontou para um lado. Ela se virou e viu o seguinte:
“Algo imenso surgiu: uma comprida tropa veicular que incluía uma legião de viaturas e motocicletas policiais, uma série de utilitários pretos, duas limusines blindadas com bandeiras americanas na capota, um carro de processamento de emergências químicas, uma força militar de elite com metralhadoras à vista, uma ambulância, uma picape equipada para detecção de projéteis, algumas vans e mais um grupo de escolta policial. O comboio presidencial. Era uma fila de no mínimo vinte veículos avançando em formação orquestrada (…)
Milhares e milhares de quilos de metal, um pelotão de soldados, tudo blindado. E eu não havia compreendido que aquela ainda era apenas a metade visível da proteção de Barack. Não sabia que o tempo inteiro havia um helicóptero por perto pronto para retirá-lo, atiradores a postos ao longo do caminho que ele percorresse, um médico particular acompanhando-o para qualquer emergência e um estoque do seu tipo de sangue no veículo em que estivesse (…)
Pouco antes da posse, a limusine presidencial seria trocada por um novo modelo, acertadamente chamado de Beast, (Fera )– um tanque de sete toneladas disfarçado de veículo de luxo, equipado com canhões de gás lacrimogêneo, pneus à prova de rupturas e um sistema de ventilação fechado que o protegeria em caso de ataque biológico ou químico”.
Muita proteção, porque há muito perigo. Se fosse nos Estados Unidos, Bolsonaro não teria levado uma facada, teria levado um tiro. Ou vários. Bolsonaro devia agradecer porque o Brasil ainda tem menos armas do que ele gostaria que tivesse.
A vida americana é quase sempre segura, mas não sempre. Não para todos. Nem em todas as circunstâncias. Se for eleito, nos Estados Unidos, tome cuidado: alguém pode querer lhe assassinar.