Não existe justificativa para a ação da PM paulista em Paraisópolis, onde morreram nove jovens, dias atrás. Não existe ponderação ou relativização possível. Basta assistir aos vídeos feitos com celular de algumas cenas daquela noite para se tirar uma conclusão sólida do que ocorreu.
Poderia citar os vídeos dos policiais atirando bombas nas ruas ou entrando com seus carros em alta velocidade pela favela, como mostrou o Jornal Nacional, mas ficarei com outro, de 19 de outubro, no mesmo lugar, nas mesmas circunstâncias, que mostra o seguinte: um policial está parado na esquina de uma rua estreita, com um pedaço de pau nas mãos. As pessoas, desesperadas, saem correndo ou caminhando apressadas do escuro da ruazinha. Elas avançam com as mãos para o alto, numa atitude de submissão: estão rendidas, estão demonstrando que não representam ameaça. Em cada uma que passa, o policial dá uma paulada. Uns levam pancada no rosto, outros nas pernas ou no estômago. Até uma pessoa com deficiência, que se desloca apoiada em duas muletas, apanha. Enquanto espanca as pessoas indefesas, o policial sorri. Vê-se que está se divertindo.
Por que ele fez isso? Por que policiais acham que podem entrar em uma festa ou em uma comunidade soltando bombas ou atirando a esmo?
Outra questão: por que esse tipo de violência tem ocorrido com tanta frequência no Brasil, como provam o espancamento de dois jovens em Pelotas e a morte de crianças no Rio, ambos os casos em ações da polícia?
Antes de responder, faço uma ressalva. Melhor, faço uma advertência: não se deixe cair na tentação da simplificação, do tipo “ele está criticando atos da polícia, logo, é defensor de bandidos”. Por favor! Sei bem que uma das funções da polícia é, exatamente, a repressão. A polícia é o braço armado do Estado, é o recurso da força para o cumprimento da lei. A polícia é civilizatória, quando sabe usar a violência. Mas, quando não sabe, é a barbárie estatal. Foi o caso de Paraisópolis e de outros tantos casos que vêm se repetindo no Brasil.
Agora, volto às perguntas que fiz acima: por que a polícia faz essas coisas e por que tem feito tanto ultimamente?
Respondo: não é por causa do preconceito contra pobres e negros. Não é por causa do racismo ou do abismo social que se verifica no Brasil.
Não.
É por causa da sensação de impunidade.
Os policiais sabiam que, se cometessem excessos numa (aí, sim) comunidade pobre, contra jovens sem qualquer projeção social, dificilmente seriam punidos. Eles não fariam o mesmo em uma festa em que poderiam deparar com um filho de desembargador.
E aí respondo à segunda questão: esses abusos têm ocorrido tanto, nos últimos tempos, porque as lideranças políticas sinalizaram em favor da impunidade policial. O símbolo do presidente é a arminha feita com as mãos, o governador do Rio avisa que vai mandar a polícia atirar “na cabecinha” de bandidos, o pacote de segurança de Moro, entre várias propostas boas, apresenta a temerária de “excludente de ilicitude”. O que significa “excludente de ilicitude”? Ora, “excludente” é o que exclui. E “ilicitude” é algo ilícito. Ou seja: o governo quer permitir que os policiais cometam atos fora da lei, o que não tem nada a ver com direito a defesa ou com o uso controlado da violência na manutenção da ordem.
É óbvio que as instituições policiais não concordam com a violência injustificada, mas o clima criado pelos governantes é propício para o excesso. Os policiais de Paraisópolis cometeram crimes por pensar que não seriam punidos. E não seriam mesmo, se não fosse por um pormenor. Aqueles jovens que apanharam, aquelas crianças que morreram não tinham nenhuma defesa, a não ser uma pequena ferramenta que, hoje, todos têm em mãos: o telefone celular. Os celulares filmaram parte do que aconteceu, e o que aconteceu deixa claro que mesmo policiais treinados têm de saber que serão punidos se agirem errado.